Alberto Carvalho da Silva
Item
Nome Completo
Alberto Carvalho da Silva
Sobrenome
SILVA
Nome
Alberto
Profissão
Médico fisiologista
Áreas do Conhecimento
Ciências da Saúde
Instituição
Publicações e Obras
Referências
Mais Informações
Palavras-chaves
Português
fisiologia
Português
nutrição
Português
política de saúde
Foto Principal
Falecimento
July 30, 2002
Frase
“Só me sinto realmente bem e realizado trabalhando no laboratório”.
Breve Resumo
Médico, pesquisador especialista em fisiologia da nutrição, implementou políticas de saúde no Brasil e no mundo, membro fundador da Adusp e incentivador da Fapesp, CNPq, SBPC e outras.
Biografia
Alberto Carvalho da Silva nasceu na aldeia de Porto (Portugal), em 1916, e no ano de 1924, aos sete anos de idade, veio com sua família para o Brasil. Em entrevista apresentada à revista Ciência Hoje, em 1988, ele relatou brevemente sua infância humilde em São Paulo, onde vivia com a família em porões e cortiços da cidade. Além disso, inicialmente, o único contato que tinha era apenas com o irmão mais velho, pois onde moravam havia poucas crianças. Contudo, logo que se mudaram teve a oportunidade de conviver e brincar com outras crianças, ampliando assim seu convívio social.
No começo, seu forte sotaque português foi motivo de piada entre colegas e professores, o que chegou a deixar marcas em sua infância. Na entrevista cedida a Camargo, Malnic e Costa (1988), ele relatou que seu sotaque divertia os colegas e a professora da escola, pois ela lhe pedia para que repetisse a fala cada vez que fazia algum comentário.
Alberto iniciou a Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo (USP), em 1934 e o espírito curioso e investigativo dele desabrochou ainda nos tempos de estudante. Juntamente com outros colegas de curso, doutor Alberto (ou professor Alberto, como viria a ser chamado por seus colegas) conta para Camargo, Malnic e Costa (1988), que na época de estudante se juntou com mais dois amigos e formaram um grupo de estudos no qual adquiriam livros, revistas científicas internacionais e trocavam semanalmente informações e interpretações sobre os avanços e métodos científicos.
Dessa união, na qual compartilhavam interesses e curiosidades, também surgiu a participação em diferentes pesquisas, ampliando assim sua perspectiva científica. Aproveitando os casos clínicos que chamavam a atenção deste grupo de jovens, Dr. Alberto realizou seu primeiro projeto de pesquisa (com auxílio dos amigos) sobre amebíase (infecção causada por uma ameba), com foco em epidemiologia, buscando estabelecer relações entre a presença de Entamoeba histolítica (nome científico da ameba) e a evolução dos sintomas clínicos. Participou, com os mesmos colegas, de pesquisas sobre doenças digestivas e sobre doenças pulmonares. Todos estes estudos geraram publicações relevantes para a época (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Além do curso de Medicina, Dr. Alberto ingressou também em Ciências Sociais, Filosofia e Química na USP. Os dois primeiros cursos foram influenciados por seu irmão e os amigos da Faculdade de Direito (que ele descreve como poetas e escritores). Com estes amigos, Dr. Alberto lembra que a convivência era até maior do que com os colegas da Medicina, chegando a participar de rodas musicais onde ele tocava tamborim em um grupo de choro. Além disso, ele relata que seu interesse nesses cursos também surgiu da oportunidade de ter uma bolsa de estudos, pois na época a Faculdade de Filosofia oferecia essa possibilidade aos alunos que cursassem simultaneamente Filosofia e Ciências Sociais (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Já sobre o curso de Química, Dr. Alberto conta que cursou dois anos como ouvinte e seu interesse estava em ampliar o conhecimento básico para melhorar suas investigações em bioquímica. Neste curso teve a oportunidade de ser aluno de grandes professores, como Pascoal Senise e Rheinbolt e de fazer grandes amizades também (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
O começo da carreira como pesquisador deu-se logo após a formação em Medicina, em 1940, quando iniciou como assistente de pesquisa no Departamento de Fisiologia (MARCOLIN, 2002). Naquela época, apesar de a pesquisa experimental não ser estimulante na Faculdade de Medicina, ele já estava convicto de que devia fazê-la.
Neste período, Dr. Alberto descreve que a falta de uma pós-graduação formal estimulou sua iniciativa pessoal e autoconfiança, já que teve que suprir as próprias falhas de sua formação estudando por conta própria diferentes matérias (química, matemática, estatística etc.). Contudo, reconhece que lhe faltou a disciplina e a integração do conhecimento, que um bom curso de pós-graduação pode oferecer atualmente (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Seu foco de atuação em nutrição foi descrito por ele como sendo oriundo tanto do perfil do laboratório de Fisiologia da Faculdade de Medicina, como por sua formação com o curso de Química. Na mesma entrevista, Dr. Alberto descreve que estava mais interessado nos aspectos bioquímicos e metabólicos da nutrição do que em avaliações nutricionais ou no valor nutricional dos alimentos (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Para estabelecer um laboratório de pesquisa nessa área e se aprimorar na profissão, Dr. Alberto conseguiu uma bolsa da Fundação Rockefeller no Departamento de Nutrição da Universidade Yale (1946-47), no Departamento de Fisiologia da Universidade de Chicago (1959) e no Departamento de Nutrição do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 1960 (BELLESA, 2002).
Foi durante sua experiência na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, que ele inovou ao começar a trabalhar com nutrição em gatos. Ele esclarece que esta ideia de realizar experimentos nutricionais em um novo animal favorece novas manifestações clínicas e caminhos bioquímicos (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Sobre o cuidado com os gatos, o Dr. Gerhard Malnic relatou que eram marcantes o carinho e atenção com os quais o Dr. Alberto os tratava, estando presente nos laboratórios inclusive aos domingos e feriados, junto com seus orientados (MALNIC, 2002).
Neste período inicial da carreira, anterior à criação de organizações como o antigo Conselho Nacional de Pesquisas (hoje, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Dr. Alberto detalhou algumas das dificuldades enfrentadas. Relembra que naquele tempo foi ele quem confeccionou as primeiras gaiolas de gatos utilizando caixotes oriundos de suas bagagens trazidas dos Estados Unidos e com telas de arame compradas em armazéns de material para construção civil.
Após algumas visitas de representantes comerciais ao laboratório da Faculdade de Medicina, ele obteve alguns de seus primeiros auxílios financeiros. Além destes recursos esporádicos, a própria Faculdade de Medicina destinava uma parcela das verbas para manter o laboratório (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988). Outra contribuição significativa foram os recursos enviados por seus colegas para a compra de novos equipamentos.
Embora os recursos fossem escassos, Doutor Alberto dizia que aqueles tempos tinham suas vantagens: entre elas, o fato de que se necessitava de menos equipamentos e estes equipamentos eram mais baratos e de longa duração. Comparativamente, nos dias atuais, aqueles que não podem acompanhar a renovação dos instrumentos de trabalho ficam rapidamente desatualizados em suas pesquisas (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Na perspectiva do Dr. Alberto, a década de 40 e início dos anos 50 foram momentos de capitalização e agregação de pesquisadores, tornando os anos 50 mais dinâmicos e cheios de entusiasmo, tanto na pesquisa como no ensino (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Além disso, este também foi um período de organização da classe de pesquisadores da qual ele pertencia. Ele relata que nos anos 50 e 60 era comum se passar os domingos na “sala de gatos” realizando pesquisas e discussões sobre as questões salariais e a criação da Associação dos Auxiliares de Ensino. Assim, esta época ficou marcada na memória do pesquisador como sendo um período de muito trabalho e atividades políticas (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Foi a Associação de Auxiliares de Ensino que deu origem à Associação dos Docentes da USP (Adusp). Dois motivos levaram à criação da associação, sendo eles: os cortes de verbas realizados no governo de Jânio Quadros; bem como a resistência à autoridade absoluta do professor catedrático, que podia fazer o que bem quisesse com as verbas e com a carreira dos outros pesquisadores (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Dentre as reivindicações da Associação estava também a criação da FAPESP (prevista na Constituição Paulista de 1947), que ganhou força com os movimentos dos pesquisadores. Neste grupo inicial da associação estavam presentes outros ilustres representantes, tais como: Fernando Henrique Cardoso, Armando Piovesan, Carlos Lira, Luiz Rey, Abrão Fazer, Eros Ehrart e outros (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Após um período como assistente de pesquisa, tornou-se professor livre docente, professor adjunto e, em 1964, catedrático (MARCOLIN, 2002). As principais motivações para progredir na carreira tinham relação com a autonomia do pesquisador. O Dr. Alberto descreve esta experiência relatando que o professor catedrático poderia indicar assistentes, convidar pesquisadores visitantes, discutir verbas e ter outras liberdades que não cabiam ao assistente de pesquisa. Para estes, por mais que houvesse esforço, o trabalho destinado era majoritariamente bater martelo para fazer gaiolas para gatos. Foi a partir desta percepção que o pesquisador decidiu prestar o concurso de docente (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Outra experiência marcante em sua trajetória foram as associações de suas participações políticas com grupos de esquerda, especialmente durante o período da ditadura militar, causando seu afastamento da USP em 1969, com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Doutor Alberto também foi impedido pelo AI-10 de exercer qualquer função pública (FAPESP 60 anos: O legado do doutor Alberto Carvalho da Silva)
Sobre o questionamento a respeito de ele fazer parte de um grupo de comunistas, o Dr. Alberto respondeu em entrevista concedida a Camargo, Malnic e Costa (1988), que o vínculo político individual de cada pesquisador não lhe interessava, pois o principal motivo de agregação era o interesse pelo desenvolvimento científico e cultural, além da honestidade de princípios, desinteresse por prestígio e status. Ele costumava descrever este grupo como sendo idealistas que buscavam essencialmente melhorar a universidade (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Após seu afastamento da USP com a edição do AI-5, o Dr. Alberto trabalhou na Fundação Ford, que é uma instituição internacional com foco em justiça social (FORD FOUNDATION, 2024). Neste período, ele teve a oportunidade de aplicar seus conhecimentos de nutrição em políticas públicas, realizando um trabalho como consultor técnico em ciência, tecnologia e nutrição durante o período de 1968 a 1980.
Nestes anos, esteve em escritórios no Rio de Janeiro, Santiago do Chile e em Lima (Peru). A função de consultor trouxe para o Dr. Alberto a oportunidade de atuar em projetos do Banco Mundial, elaborando programas de nutrição no Brasil, Indonésia e no México, bem como no Subcomitê de Nutrição da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu currículo também agrega consultorias na Universidade das Nações Unidas em Moçambique e Angola (1981) e na Fundação Interamericana em Santiago (1982) (REGINA, 2015; BELLESA, 2002).
Após a Ditadura Militar, no ano de 1980, o Dr. Alberto foi reintegrado à USP, assumindo a função de chefe de Departamento. Contudo, o período de afastamento das atividades de pesquisa marcou-lhe profundamente. Após mais de uma década fora dos laboratórios, ele relata que ao retornar considerou ser tarde demais para reiniciar a atividade de pesquisador, porque não acompanhou a evolução bibliográfica da época. Para ele, o vazio de 11 anos distante da pesquisa o fez constatar que só se sentia realmente bem e realizado quando estava trabalhando em laboratório (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Na FAPESP, Dr. Alberto exerceu atividades de diretor científico no período de 1968-69, foi também diretor presidente entre os anos de 1984 e 1993, e trabalhou até seus últimos dias em prol da instituição. Nos anos 90, foi presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp). Em seu extenso currículo também está uma ampla participação na história da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde chegou a ser titulado como presidente de honra. Ademais, foi professor honorário e coordenador da Área de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA – USP) de 1994 até 2002, ano de seu falecimento (BELLESA, 2002; MALNIC, 2002).
Alberto Carvalho da Silva dedicou-se incansavelmente à ciência até o fim de sua vida. Seus últimos trabalhos foram participações em dois livros da FAPESP, em especial o livro no qual ele consolidou os dados sobre bolsas, auxílios e projetos financiados pela instituição até o ano de 2002, o qual fora concluído treze dias antes de seu falecimento. Na homenagem feita por Neldson Marcolin, consta conforme a esposa do Dr. Alberto, Isa, era natural que o marido tivesse buscado finalizar aquele trabalho, mesmo estando doente, pois ele se sentia como sendo uma espécie de pai da FAPESP. Doutor Alberto faleceu no dia 30 de junho de 2002, em São Paulo, aos 85 anos, em consequência de fibrose pulmonar e fazia um enorme esforço para respirar e caminhar (MARCOLIN, 2002).
De acordo com o levantamento apresentado por Gerhard Malnic (Diretor do IEA-USP), as contribuições científicas do Dr. Alberto Carvalho da Silva foram inúmeras. Contabiliza-se como autor de 40 trabalhos de natureza experimental, sendo a maioria sobre nutrição (publicadas em revistas internacionais). Foram mais de 50 trabalhos experimentais apresentados em reuniões científicas no país e no exterior; autor de diversos trabalhos e relatórios sobre política científica e tecnológica e política de saúde, alimentação e nutrição (MALNIC, 2002). Seu legado e impactos vão além dos avanços científicos realizados pelo pesquisador, conforme se observa em relatos e homenagens anunciadas por diferentes colegas.
Gerhard Malnic relata momentos no qual o Dr. Alberto o incentivava e colaborava com seu desenvolvimento como cientista e descreve a personalidade dele:
“Conheci o Dr. Alberto, como nós o chamávamos, durante o segundo ano de meu curso médico, em 1953, como professor do curso de Fisiologia, ao fim do qual me convidou a trabalhar com ele em seu laboratório” (MALNIC, 2002).
“Me introduziu ao estudo da Fisiologia Renal, e lemos juntos o famoso livro de Homer Smith, que era a bíblia da área, o que possibilitou-nos trabalhar na área a fim de estudar a excreção renal da tiamina (vitamina B1), o que foi a base de minha tese de doutorado, de 1960, que depois conseguimos publicar no American Journal of Physiology” (MALNIC, 2002).
“Sua perda abre uma lacuna no debate sobre a política científica e tecnológica do país, empreendido por ele sempre de maneira objetiva e bem-fundamentada. Entristece profundamente, mas ao mesmo tempo enche de orgulho a todos que tivemos o privilégio de com ele conviver no Departamento de Fisiologia, e na Faculdade de Medicina e no ICB de uma maneira geral, podendo admirar sua competência, dedicação, placidez, generosidade e bom-humor, traços de sua personalidade que sempre ficarão em nossa lembrança como modelo de um ser humano dedicado a seus ideais, e que os perseguiu até o fim com pertinácia e intransigência” (MALNIC, 2002).
No último livro do Dr. Alberto “Atividades de Fomento à Pesquisa e Formação de Recursos Humanos, Desenvolvidas pela FAPESP entre 1962 e 2001”, publicado após o falecimento do pesquisador, duas homenagens destacam a valorosa trajetória deste cientista, bem como algumas de suas características:
“Todos nós sentimos, no momento, a tristeza de sua ausência e o orgulho de termos compartilhado com ele a força, a alegria e o entusiasmo de sua dedicação à história institucional e acadêmica de nosso Estado e, em particular, de seu grande amor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a nossa querida FAPESP” Carlos Vogt (SILVA, 2004, p.7).
“Faleceu o doutor Alberto Carvalho da Silva, homem extraordinário: bondoso, carinhoso, prestimoso, atuante, participativo, colaborador, modesto, leal, fiel. Todos perdemos um valioso amigo” Francisco Romeu Landi (SILVA, 2004, p.9-10).
Alberto Carvalho da Silva é uma figura emblemática na história da ciência brasileira, cuja vida foi marcada por uma dedicação incansável à pesquisa, conquistas notáveis e contribuições significativas para o desenvolvimento científico e acadêmico no país, bem como por suas contribuições em políticas públicas de saúde. Seu legado perdura como inspiração para as gerações futuras, destacando a busca pelo avanço do conhecimento.
No começo, seu forte sotaque português foi motivo de piada entre colegas e professores, o que chegou a deixar marcas em sua infância. Na entrevista cedida a Camargo, Malnic e Costa (1988), ele relatou que seu sotaque divertia os colegas e a professora da escola, pois ela lhe pedia para que repetisse a fala cada vez que fazia algum comentário.
Alberto iniciou a Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo (USP), em 1934 e o espírito curioso e investigativo dele desabrochou ainda nos tempos de estudante. Juntamente com outros colegas de curso, doutor Alberto (ou professor Alberto, como viria a ser chamado por seus colegas) conta para Camargo, Malnic e Costa (1988), que na época de estudante se juntou com mais dois amigos e formaram um grupo de estudos no qual adquiriam livros, revistas científicas internacionais e trocavam semanalmente informações e interpretações sobre os avanços e métodos científicos.
Dessa união, na qual compartilhavam interesses e curiosidades, também surgiu a participação em diferentes pesquisas, ampliando assim sua perspectiva científica. Aproveitando os casos clínicos que chamavam a atenção deste grupo de jovens, Dr. Alberto realizou seu primeiro projeto de pesquisa (com auxílio dos amigos) sobre amebíase (infecção causada por uma ameba), com foco em epidemiologia, buscando estabelecer relações entre a presença de Entamoeba histolítica (nome científico da ameba) e a evolução dos sintomas clínicos. Participou, com os mesmos colegas, de pesquisas sobre doenças digestivas e sobre doenças pulmonares. Todos estes estudos geraram publicações relevantes para a época (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Além do curso de Medicina, Dr. Alberto ingressou também em Ciências Sociais, Filosofia e Química na USP. Os dois primeiros cursos foram influenciados por seu irmão e os amigos da Faculdade de Direito (que ele descreve como poetas e escritores). Com estes amigos, Dr. Alberto lembra que a convivência era até maior do que com os colegas da Medicina, chegando a participar de rodas musicais onde ele tocava tamborim em um grupo de choro. Além disso, ele relata que seu interesse nesses cursos também surgiu da oportunidade de ter uma bolsa de estudos, pois na época a Faculdade de Filosofia oferecia essa possibilidade aos alunos que cursassem simultaneamente Filosofia e Ciências Sociais (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Já sobre o curso de Química, Dr. Alberto conta que cursou dois anos como ouvinte e seu interesse estava em ampliar o conhecimento básico para melhorar suas investigações em bioquímica. Neste curso teve a oportunidade de ser aluno de grandes professores, como Pascoal Senise e Rheinbolt e de fazer grandes amizades também (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
O começo da carreira como pesquisador deu-se logo após a formação em Medicina, em 1940, quando iniciou como assistente de pesquisa no Departamento de Fisiologia (MARCOLIN, 2002). Naquela época, apesar de a pesquisa experimental não ser estimulante na Faculdade de Medicina, ele já estava convicto de que devia fazê-la.
Neste período, Dr. Alberto descreve que a falta de uma pós-graduação formal estimulou sua iniciativa pessoal e autoconfiança, já que teve que suprir as próprias falhas de sua formação estudando por conta própria diferentes matérias (química, matemática, estatística etc.). Contudo, reconhece que lhe faltou a disciplina e a integração do conhecimento, que um bom curso de pós-graduação pode oferecer atualmente (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Seu foco de atuação em nutrição foi descrito por ele como sendo oriundo tanto do perfil do laboratório de Fisiologia da Faculdade de Medicina, como por sua formação com o curso de Química. Na mesma entrevista, Dr. Alberto descreve que estava mais interessado nos aspectos bioquímicos e metabólicos da nutrição do que em avaliações nutricionais ou no valor nutricional dos alimentos (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Para estabelecer um laboratório de pesquisa nessa área e se aprimorar na profissão, Dr. Alberto conseguiu uma bolsa da Fundação Rockefeller no Departamento de Nutrição da Universidade Yale (1946-47), no Departamento de Fisiologia da Universidade de Chicago (1959) e no Departamento de Nutrição do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 1960 (BELLESA, 2002).
Foi durante sua experiência na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, que ele inovou ao começar a trabalhar com nutrição em gatos. Ele esclarece que esta ideia de realizar experimentos nutricionais em um novo animal favorece novas manifestações clínicas e caminhos bioquímicos (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Sobre o cuidado com os gatos, o Dr. Gerhard Malnic relatou que eram marcantes o carinho e atenção com os quais o Dr. Alberto os tratava, estando presente nos laboratórios inclusive aos domingos e feriados, junto com seus orientados (MALNIC, 2002).
Neste período inicial da carreira, anterior à criação de organizações como o antigo Conselho Nacional de Pesquisas (hoje, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Dr. Alberto detalhou algumas das dificuldades enfrentadas. Relembra que naquele tempo foi ele quem confeccionou as primeiras gaiolas de gatos utilizando caixotes oriundos de suas bagagens trazidas dos Estados Unidos e com telas de arame compradas em armazéns de material para construção civil.
Após algumas visitas de representantes comerciais ao laboratório da Faculdade de Medicina, ele obteve alguns de seus primeiros auxílios financeiros. Além destes recursos esporádicos, a própria Faculdade de Medicina destinava uma parcela das verbas para manter o laboratório (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988). Outra contribuição significativa foram os recursos enviados por seus colegas para a compra de novos equipamentos.
Embora os recursos fossem escassos, Doutor Alberto dizia que aqueles tempos tinham suas vantagens: entre elas, o fato de que se necessitava de menos equipamentos e estes equipamentos eram mais baratos e de longa duração. Comparativamente, nos dias atuais, aqueles que não podem acompanhar a renovação dos instrumentos de trabalho ficam rapidamente desatualizados em suas pesquisas (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Na perspectiva do Dr. Alberto, a década de 40 e início dos anos 50 foram momentos de capitalização e agregação de pesquisadores, tornando os anos 50 mais dinâmicos e cheios de entusiasmo, tanto na pesquisa como no ensino (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Além disso, este também foi um período de organização da classe de pesquisadores da qual ele pertencia. Ele relata que nos anos 50 e 60 era comum se passar os domingos na “sala de gatos” realizando pesquisas e discussões sobre as questões salariais e a criação da Associação dos Auxiliares de Ensino. Assim, esta época ficou marcada na memória do pesquisador como sendo um período de muito trabalho e atividades políticas (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Foi a Associação de Auxiliares de Ensino que deu origem à Associação dos Docentes da USP (Adusp). Dois motivos levaram à criação da associação, sendo eles: os cortes de verbas realizados no governo de Jânio Quadros; bem como a resistência à autoridade absoluta do professor catedrático, que podia fazer o que bem quisesse com as verbas e com a carreira dos outros pesquisadores (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Dentre as reivindicações da Associação estava também a criação da FAPESP (prevista na Constituição Paulista de 1947), que ganhou força com os movimentos dos pesquisadores. Neste grupo inicial da associação estavam presentes outros ilustres representantes, tais como: Fernando Henrique Cardoso, Armando Piovesan, Carlos Lira, Luiz Rey, Abrão Fazer, Eros Ehrart e outros (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Após um período como assistente de pesquisa, tornou-se professor livre docente, professor adjunto e, em 1964, catedrático (MARCOLIN, 2002). As principais motivações para progredir na carreira tinham relação com a autonomia do pesquisador. O Dr. Alberto descreve esta experiência relatando que o professor catedrático poderia indicar assistentes, convidar pesquisadores visitantes, discutir verbas e ter outras liberdades que não cabiam ao assistente de pesquisa. Para estes, por mais que houvesse esforço, o trabalho destinado era majoritariamente bater martelo para fazer gaiolas para gatos. Foi a partir desta percepção que o pesquisador decidiu prestar o concurso de docente (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Outra experiência marcante em sua trajetória foram as associações de suas participações políticas com grupos de esquerda, especialmente durante o período da ditadura militar, causando seu afastamento da USP em 1969, com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Doutor Alberto também foi impedido pelo AI-10 de exercer qualquer função pública (FAPESP 60 anos: O legado do doutor Alberto Carvalho da Silva)
Sobre o questionamento a respeito de ele fazer parte de um grupo de comunistas, o Dr. Alberto respondeu em entrevista concedida a Camargo, Malnic e Costa (1988), que o vínculo político individual de cada pesquisador não lhe interessava, pois o principal motivo de agregação era o interesse pelo desenvolvimento científico e cultural, além da honestidade de princípios, desinteresse por prestígio e status. Ele costumava descrever este grupo como sendo idealistas que buscavam essencialmente melhorar a universidade (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Após seu afastamento da USP com a edição do AI-5, o Dr. Alberto trabalhou na Fundação Ford, que é uma instituição internacional com foco em justiça social (FORD FOUNDATION, 2024). Neste período, ele teve a oportunidade de aplicar seus conhecimentos de nutrição em políticas públicas, realizando um trabalho como consultor técnico em ciência, tecnologia e nutrição durante o período de 1968 a 1980.
Nestes anos, esteve em escritórios no Rio de Janeiro, Santiago do Chile e em Lima (Peru). A função de consultor trouxe para o Dr. Alberto a oportunidade de atuar em projetos do Banco Mundial, elaborando programas de nutrição no Brasil, Indonésia e no México, bem como no Subcomitê de Nutrição da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu currículo também agrega consultorias na Universidade das Nações Unidas em Moçambique e Angola (1981) e na Fundação Interamericana em Santiago (1982) (REGINA, 2015; BELLESA, 2002).
Após a Ditadura Militar, no ano de 1980, o Dr. Alberto foi reintegrado à USP, assumindo a função de chefe de Departamento. Contudo, o período de afastamento das atividades de pesquisa marcou-lhe profundamente. Após mais de uma década fora dos laboratórios, ele relata que ao retornar considerou ser tarde demais para reiniciar a atividade de pesquisador, porque não acompanhou a evolução bibliográfica da época. Para ele, o vazio de 11 anos distante da pesquisa o fez constatar que só se sentia realmente bem e realizado quando estava trabalhando em laboratório (CAMARGO, MALNIC, COSTA, 1988).
Na FAPESP, Dr. Alberto exerceu atividades de diretor científico no período de 1968-69, foi também diretor presidente entre os anos de 1984 e 1993, e trabalhou até seus últimos dias em prol da instituição. Nos anos 90, foi presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp). Em seu extenso currículo também está uma ampla participação na história da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde chegou a ser titulado como presidente de honra. Ademais, foi professor honorário e coordenador da Área de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA – USP) de 1994 até 2002, ano de seu falecimento (BELLESA, 2002; MALNIC, 2002).
Alberto Carvalho da Silva dedicou-se incansavelmente à ciência até o fim de sua vida. Seus últimos trabalhos foram participações em dois livros da FAPESP, em especial o livro no qual ele consolidou os dados sobre bolsas, auxílios e projetos financiados pela instituição até o ano de 2002, o qual fora concluído treze dias antes de seu falecimento. Na homenagem feita por Neldson Marcolin, consta conforme a esposa do Dr. Alberto, Isa, era natural que o marido tivesse buscado finalizar aquele trabalho, mesmo estando doente, pois ele se sentia como sendo uma espécie de pai da FAPESP. Doutor Alberto faleceu no dia 30 de junho de 2002, em São Paulo, aos 85 anos, em consequência de fibrose pulmonar e fazia um enorme esforço para respirar e caminhar (MARCOLIN, 2002).
De acordo com o levantamento apresentado por Gerhard Malnic (Diretor do IEA-USP), as contribuições científicas do Dr. Alberto Carvalho da Silva foram inúmeras. Contabiliza-se como autor de 40 trabalhos de natureza experimental, sendo a maioria sobre nutrição (publicadas em revistas internacionais). Foram mais de 50 trabalhos experimentais apresentados em reuniões científicas no país e no exterior; autor de diversos trabalhos e relatórios sobre política científica e tecnológica e política de saúde, alimentação e nutrição (MALNIC, 2002). Seu legado e impactos vão além dos avanços científicos realizados pelo pesquisador, conforme se observa em relatos e homenagens anunciadas por diferentes colegas.
Gerhard Malnic relata momentos no qual o Dr. Alberto o incentivava e colaborava com seu desenvolvimento como cientista e descreve a personalidade dele:
“Conheci o Dr. Alberto, como nós o chamávamos, durante o segundo ano de meu curso médico, em 1953, como professor do curso de Fisiologia, ao fim do qual me convidou a trabalhar com ele em seu laboratório” (MALNIC, 2002).
“Me introduziu ao estudo da Fisiologia Renal, e lemos juntos o famoso livro de Homer Smith, que era a bíblia da área, o que possibilitou-nos trabalhar na área a fim de estudar a excreção renal da tiamina (vitamina B1), o que foi a base de minha tese de doutorado, de 1960, que depois conseguimos publicar no American Journal of Physiology” (MALNIC, 2002).
“Sua perda abre uma lacuna no debate sobre a política científica e tecnológica do país, empreendido por ele sempre de maneira objetiva e bem-fundamentada. Entristece profundamente, mas ao mesmo tempo enche de orgulho a todos que tivemos o privilégio de com ele conviver no Departamento de Fisiologia, e na Faculdade de Medicina e no ICB de uma maneira geral, podendo admirar sua competência, dedicação, placidez, generosidade e bom-humor, traços de sua personalidade que sempre ficarão em nossa lembrança como modelo de um ser humano dedicado a seus ideais, e que os perseguiu até o fim com pertinácia e intransigência” (MALNIC, 2002).
No último livro do Dr. Alberto “Atividades de Fomento à Pesquisa e Formação de Recursos Humanos, Desenvolvidas pela FAPESP entre 1962 e 2001”, publicado após o falecimento do pesquisador, duas homenagens destacam a valorosa trajetória deste cientista, bem como algumas de suas características:
“Todos nós sentimos, no momento, a tristeza de sua ausência e o orgulho de termos compartilhado com ele a força, a alegria e o entusiasmo de sua dedicação à história institucional e acadêmica de nosso Estado e, em particular, de seu grande amor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a nossa querida FAPESP” Carlos Vogt (SILVA, 2004, p.7).
“Faleceu o doutor Alberto Carvalho da Silva, homem extraordinário: bondoso, carinhoso, prestimoso, atuante, participativo, colaborador, modesto, leal, fiel. Todos perdemos um valioso amigo” Francisco Romeu Landi (SILVA, 2004, p.9-10).
Alberto Carvalho da Silva é uma figura emblemática na história da ciência brasileira, cuja vida foi marcada por uma dedicação incansável à pesquisa, conquistas notáveis e contribuições significativas para o desenvolvimento científico e acadêmico no país, bem como por suas contribuições em políticas públicas de saúde. Seu legado perdura como inspiração para as gerações futuras, destacando a busca pelo avanço do conhecimento.
Prêmios e condecorações
Foi agraciado com a Ordem do Rio Branco.
Entrevistas
Créditos
Revisão de texto
Date Issued
March 12, 2024