César Mansueto Giulio Lattes

Item

Nome Completo

César Mansueto Giulio Lattes

Sobrenome

LATTES

Nome

César

Profissão

Físico

Áreas do Conhecimento

Ciências Exatas e da Terra

Instituição

Publicações e Obras

LATTES, C. M. G. Leite Lopes e a física no Brasil: um testemunho pessoal. <i>In:</i> MOREIRA, I. C. (Org.). <strong>Ciência e Liberdade:</strong> escritos sobre ciência e educação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; CBPF/MCT, 1998, pp. 09-14.
LATTES, C. M. G. <strong>Observações sobre a componente Eletromagnética de alta energia (2x1011≤E/eV≤1014) da radiação cósmica, através do estudo de cascatas eletromagnéticas detectadas em câmaras de emulsão fotográfica e chumbo, expostas no Laboratório de Física Cósmica de Chacaltaya</strong>. Tese (Concurso à Cátedra de Física Superior), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1966.

Referências

TAVARES, H. D. <strong>Estilo de pensamento em física nuclear e de partículas (1934-1975):</strong> César Lattes entre raios cósmicos e aceleradores. 260 f. Tese (Doutorado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia). Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
LATTES, C. Entrevista concedida a Michelini Nussenzveig, Cássio Vieira Leite e Fernando de Souza Barros. <strong>Ciência Hoje</strong>, Rio de Janeiro, n. 112, ago. 1995.

Palavras-chaves

Português acelerador de partículas
Português aceleração de partículas
Português física experimental

Foto Principal

Local de Nascimento

Nascimento

July 11, 1924

Falecimento

March 8, 2005

Frase

“Vou dizer algumas citações da minha filosofia do cotidiano. A primeira é: "A história é a mais importante das ciências". Acho que foi o editor da correspondência de Erwin Schrödinger que disse isso, citando as idéias do próprio Schrödinger. Sei que sem história não há realidade objetiva”. (Lattes, 1995)

Breve Resumo

Reconhecido mundialmente por suas importantes contribuições para a descrição dos mésons pi, César Lattes teve papel fundamental na institucionalização da pesquisa em Física no Brasil.

Biografia

Você já ouviu falar nos mésons pi? E em aceleradores de partículas? Pois bem, eles têm a ver com a trajetória do cientista que apresentaremos nesse texto – César Mansueto Giulio Lattes. Filho de imigrantes italianos, ele nasceu na cidade de Curitiba, onde iniciou seus estudos com uma tutora e, depois, frequentou uma escola bilíngue, a Escola Americana. Por volta dos dez anos de idade, mudou-se para São Paulo, finalizando o ensino básico no Instituto Médio Dante Alighieri. Isso nos mostra que os pais de Lattes, Carolina e Giuseppe, faziam questão de que ele tivesse acesso a uma boa educação e que podiam custear isso (SÁ, CHAVES & GURGEL, 2018; TAVARES, 2017).

Mas, antes de falar da trajetória de Lattes como estudante e, depois, como pesquisador, precisamos apresentar um pouco do contexto no qual ele viveu. Do contrário, não entenderíamos muitos aspectos importantes de sua história. Durante a década de 1940, cresceram os movimentos que lutavam pela valorização do Brasil e que incentivavam o desenvolvimento da autonomia política e econômica do país. Em geral, tais movimentos defendiam que a ciência era uma importante ferramenta nesse sentido e, portanto, que o governo deveria dar mais apoio à pesquisa através, por exemplo, de investimento na construção de estruturas adequadas para a atividade científica e na formação de cientistas (TAVARES & VIDEIRA, 2020).


Nessa época, grande parte dos físicos brasileiros era formada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) - instituição da qual Lattes fez parte, primeiro como aluno e, mais tarde, como professor/pesquisador. A FFCL foi criada em 1934 como estratégia para incentivar a formação de novas gerações de profissionais que atuassem na pesquisa, ou seja, cientistas/professores e técnicos. Assim, um grande número de pesquisadores estrangeiros foi convidado para fundar e chefiar departamentos na faculdade, entre eles, o físico teórico Gleb Wataghin (1899-1986). Wataghin nasceu na Rússia, mas viveu por bastante tempo na Itália, onde fez pesquisas em física quântica – mais especificamente, sobre as características das partículas que formam o átomo: as chamadas partículas subatômicas (TAVARES, 2017).

Wataghin chegou ao Brasil para chefiar o Departamento de Física da FFCL e trouxe consigo sua experiência em estudos com raios cósmicos. Os raios cósmicos são capazes de gerar colisões entre partículas de altas energias, uma técnica que era bastante utilizada no estudo do núcleo atômico naquela época. Assim, Wataghin montou um laboratório e uma equipe para realizar investigações a partir dessa metodologia. Dela fizeram parte o físico experimental italiano Giuseppe Occhialini e estudantes, como Marcello Damy (1914-2009), Mário Schenberg (1914-1990) e, mais tarde, Lattes. A convite de Wataghin, Occhialini chegou ao Brasil em 1937 para ser professor assistente no mesmo departamento e também trouxe consigo habilidades que foram importantes para o desenvolvimento das pesquisas em Física no Brasil - a exemplo de seu domínio sobre a construção e o funcionamento de aparelhos chamados contadores Geiger-Müller e câmaras de Wilson. Wataghin e Occhialini mantinham um amplo diálogo com estudiosos estrangeiros, assim as investigações conduzidas por eles e sua equipe circulavam em diferentes centros de pesquisa internacionais (TAVARES, GURGEL & VIDEIRA, 2020).

Foi nesse contexto que, em 1941, Lattes ingressou no curso de Física da FFCL, com acesso a um laboratório relativamente bem equipado, a uma biblioteca bastante atualizada e a professores bastante experientes. Naquele momento, as universidades possuíam algumas características diferentes de hoje em dia, como por exemplo um número muito menor de alunos por curso. Assim, havia maior proximidade entre esses e os professores, o que favorecia bastante a atividade científica, pois tornava todos mais acessíveis para discutir suas pesquisas e ideias. Lattes não só foi aluno de muitos dos membros da equipe de Wataghin como, rapidamente, passou a integrá-la (SÁ, CHAVES & GURGEL, 2018; TAVARES, 2017).

Em 1942, o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial ao lado dos países chamados “Aliados” e isso impactou em muito as pesquisas no Departamento de Física da USP. Wataghin e Occhialini possuíam cidadania italiana e passaram a ser considerados potenciais “inimigos”, pois a Itália compunha o bloco rival, dos países do Eixo, com Alemanha e Japão. Ambos os professores deixaram oficialmente o departamento, mas Wataghin e parte de sua equipe, incluindo Lattes, continuaram a conduzir seus estudos, de forma discreta, no porão do prédio onde funcionava o departamento. Já Occhialini, interrompeu suas atividades de pesquisa e retornou apenas em 1943, quando o governo da Itália se rendeu. Mas, convidado por Carlos Chagas Filho (1910-2000) para realizar pesquisas em seu laboratório, na Universidade do Brasil, Occhialini foi para o Rio de Janeiro, dedicar-se às metodologias de detecção de partículas subatômicas. Quando retornou a São Paulo, ofereceu um curso sobre raios X, no qual Lattes foi seu único aluno e onde começou a se aproximar mais da física experimental, principalmente, dos métodos de análise visual (TAVARES, 2017).

Dois anos depois, seu professor rumou para Inglaterra e foi trabalhar no laboratório chefiado pelo físico inglês Cecil Powell (1903-1969). Lá investigava-se metodologias de detecção de partículas subatômicas que utilizavam chapas fotográficas, também chamadas de emulsões nucleares.

O problema é que essa metodologia precisava ser melhorada no que dizia respeito à coleta de dados sobre as partículas observadas. Occhialini trabalhava buscando melhorar essas limitações e comparava seus resultados com aqueles obtidos por Lattes, que havia permanecido na USP também estudando esses métodos de detecção (TAVARES, GURGEL & VIDEIRA, 2020).

Occhialini acreditava que Lattes poderia ajudar nas melhorias da metodologia de detecção e convidou-o para trabalhar também em Bristol. Lá, Lattes teve bastante autonomia para ampliar seu horizonte de investigações e testar hipóteses. Dedicou-se à calibragem das emulsões e a operar instrumentos aos quais não tinha acesso no Brasil, como um acelerador de partículas. Desse modo, desenvolveu habilidades únicas no manuseio desses equipamentos e na interpretação dos dados obtidos com eles. Em 1946, alguns meses depois de chegar a Bristol, Lattes sugeriu que as emulsões fossem enriquecidas com um elemento químico chamado boro, pois acreditou que as imagens das trajetórias das partículas ficariam registradas por mais tempo, o que auxiliaria a coleta de dados (TAVARES, 2023b).

Diversos experimentos com as emulsões enriquecidas com boro e calibradas por Lattes foram realizados e um deles produziu resultados interessantes, registrando a presença de uma partícula elementar com uma massa inesperada. Mas era preciso coletar mais informações para entender melhor a natureza deste fenômeno que estava sendo registrado. Em 1947, Lattes partiu para Chacaltaya, um dos picos mais altos dos Andes Bolivianos, o qual oferecia condições propícias para realização dos experimentos que buscavam esclarecer a natureza do fenômeno estranho observado. O material coletado foi, então, examinado no laboratório de Bristol e as análises com o microscópio evidenciaram a existência de uma partícula chamada méson pi. Mais de 10 anos antes, o físico japonês Hideki Yukawa (1907-1981) já havia formulado uma teoria sobre a existência dos mésons, mas, na prática, ela ainda não havia sido evidenciada. Essa demonstração foi muito importante para a legitimação de alguns princípios da mecânica quântica e de que a matéria é feita de partículas indivisíveis. Powell recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1947, mas, como vimos até aqui, jamais trabalhou sozinho (SÁ, CHAVES & GURGEL, 2018; TAVARES, 2023b).

Em 1948, Lattes conseguiu outra bolsa de pesquisa, agora pela Fundação Rockefeller dos Estados Unidos, e foi para a Universidade de Berkeley, onde teria acesso a um outro tipo de acelerador de partículas. A máquina, que pertencia ao laboratório chefiado pelo físico Eugene Gardner (1901-1986), permitiria que Lattes detectasse mésons em condições controladas. Gardner tinha muito interesse em trabalhar com Lattes, porque o cientista brasileiro possuía um enorme conhecimento sobre essas técnicas e ampla experiência em interpretar resultados. Alguns dias depois de sua chegada, Lattes conseguiu identificar sinais de mésons pi produzidos artificialmente. Tal evento contribuiu muito para a consolidação das metodologias que utilizavam os aceleradores nas pesquisas em física nuclear – uma área que tornou-se bastante estratégica no Pós-Segunda Guerra (TAVARES, 2023a).

Além disso, a pesquisa com os mésons pi teve desdobramentos econômicos e industriais significativos, pois mostrava que os aceleradores de partículas eram ferramentas importantes no desenvolvimento de estudos em física nuclear. Isso favorecia tanto os interesses das comunidades científicas e indústrias internacionais que os projetavam, fabricavam e vendiam, quanto os de grupos de cientistas brasileiros que queriam comprá-los para utilizá-los em seus estudos. Nesse sentido, é relevante situar Lattes dentro desse coletivo de físicos nacionais que, durante os anos de 1940, buscou valorizar a pesquisa brasileira, chamando atenção da sociedade como um todo para sua importância e incentivando que o poder público investisse no desenvolvimento em C&T no país – o que incluía fomentar a pesquisa e fornecer boas condições de trabalho para os cientistas (SÁ, CHAVES & GURGEL, 2018; TAVARES & VIDEIRA, 2020).

O resultado dos estudos sobre os mésons pi foi noticiado por jornais de grande circulação no Brasil como um dos mais importantes na história das físicas nuclear e atômica. Essa forma de veicular as notícias evidenciava o prestígio que não somente Lattes, mas a pesquisa brasileira, de um modo geral, havia conquistado no exterior. Ela podia ser colocada no mesmo patamar dos estudos internacionais, o que legitimava sua importância perante a sociedade brasileira. Diversas dessas reportagens foram, inclusive, escritas por físicos do grupo de Lattes, que tinham acesso a alguns veículos midiáticos importantes da época, como o jornal O Estado de São Paulo (SÁ, CHAVES & GURGEL, 2018).

No final de 1948, César Lattes voltou ao Brasil, dizendo que só ficaria definitivamente no exterior se não tivesse as condições necessárias para realizar suas pesquisas no Brasil. Segundo o Profº Drº Heráclio Tavares, em entrevista para o Canal Ciência, "Em cartas escritas assim que deixou o Brasil, em fevereiro de 1946, Lattes revela que um de seus maiores desejos era que todos brasileiros tivessem acesso ao conhecimento científico de qualidade. Para isso, ele abriria mão de posições em laboratórios e universidades bem estruturados no exterior e voltaria para o Brasil. Foi exatamente isso que ele fez em 1949, quando era reconhecido mundialmente por seu trabalho com os mésons e tinha convites de trabalho em laboratórios de todo o mundo. Ao voltar para o Brasil, ele deixou, um pouco, de ser cientista para se tornar o símbolo necessário para que a oferta da estrutura material a quem quisesse fazer ciência surgisse em nosso país".

A grande mídia transformou Lattes no símbolo da ciência brasileira na época, o que deu grande projeção à sua figura, possibilitando que ele tivesse acesso a pessoas que possuíam poder e influência suficientes para falar a favor dos investimentos nas pesquisas em Física no país. Nesse contexto é que foi criado o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que tinha como objetivos incentivar o desenvolvimento, orientar, organizar e divulgar estudos nas áreas das Ciências Físicas e da Matemática. César Lattes foi seu primeiro Diretor Científico e, ao lado de outros físicos/as, como José Leite Lopes (1918-2006), Elisa Frota-Pessôa (1921-2018) e Neusa Amato (1926-2015), continuou a desenvolver pesquisas sobre detecção de partículas (TAVARES, GUIMARAES & VIDEIRA, 2022).

César Lattes faleceu em 2005 e foi um grande pensador de seu tempo, dedicado e apaixonado por seus temas de estudo. Atualmente, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão de cuja criação Lattes também fez parte, gere uma plataforma que reúne os currículos de grande parte dos/as pesquisadores/as que atuam no Brasil - a Plataforma Lattes. Ela começou a ser pensada na década de 1980, no âmbito do próprio CNPq e a partir da identificação de uma necessidade de se agrupar as produções de cientistas brasileiros/as. Lançada em 1999, e batizada em homenagem ao físico, a Plataforma Lattes passou a ser amplamente utilizada por esses estudiosos para o registro de sua trajetória científica.

César Lattes inspirou muitos pesquisadores de sua geração e das futuras e suas contribuições para o desenvolvimento e a consolidação de uma agenda de pesquisas na área da Física no Brasil é inquestionável. Mas a trajetória e atuação de nenhum cientista devem ser vistas descoladas de seus interesses e das ideias que eventualmente representaram nos contextos em que viveram. Lattes foi também uma pessoa de carne e osso, com suas experiências e convicções pessoais as quais refletiram diretamente em seu fazer científico.

Notas finais

Para o historiador da ciência Heráclio Tavares, "Mais do que símbolo, [...] o trabalho de Lattes foi a energia que impulsionou o surgimento da estrutura de fomento à ciência no Brasil". Leia a entrevista na íntegra clicando no botão "Entrevistas" abaixo.

Prêmios e condecorações

1994 - Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico / Presidência da República do Brasil;
1987 - Prêmio de Física / The World Academy of Sciences (TWAS);
1986- Doutor honoris causa / Universidade Estadual de Campinas (Unicamp);
1958 - Prêmio Fonseca Costa / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
1948 - Doutor honoris causa / Universidade de São Paulo (USP).

Entrevistas

Fotos

Créditos

Revisão de texto

Date Issued

November 3, 2023

Coleções

Foto César Lattes Cesar Lattes (esq.) e Costa Ribeiro (dir.). Reuniões da Comissão nomeada pelo Presidente Dutra para elaborar o projeto que resultou na lei de criação do CNPq Da esquerda para a direita: Costa Ribeiro, Cesar Lattes, Giuseppe Occhialini e Martha Lattes. Chegada do professor Giuseppe Occhialini ao aeroporto do Galeão, com a presença do representante do Ministério da Marinha, do Professor Costa Ribeiro, do Professor Cesar Lattes e esposa Cesar Lattes O prof. César Lattes, do CBPF, um dos principais físicos brasileiros à época, em palestra no Instituto de Física da PUC-Rio