02 Julho de 2024: 201 anos da Independência do Brasil, na Bahia

Midia

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Cenário histórico 

O cenário no final do século XVIII e início do século XIX e  que resultou na vinda da família real portuguesa ao Brasil, foi consequência de uma série de fatores: mudanças políticas e econômicas na Europa, tais como: a Guerra pela Península Ibérica entre a França Napoleônica e os aliados da Inglaterra, Espanha e Portugal; pressões dos vizinhos europeus, que queriam expandir os domínios coloniais na América do Sul; a crise gerada pela guerra na economia e a administração do império de D. João em Portugal e em suas colônias.

Em novembro de 1807, tropas francesas invadiram as fronteiras de Portugal com a Espanha, indo em direção a Lisboa, o que fez com que centenas de pessoas da corte portuguesa embarcassem em navios em direção ao Brasil, sob condições adversas, quais sejam: mar turbulento e escassez de comida e água. Protegidos pela esquadra inglesa, os navios tiveram breve passagem pela Bahia- com destino ao Rio de Janeiro– momento em que foi declarada a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, favorecendo, especificamente, a Inglaterra e o controle do comércio e navegação no Atlântico Sul (Fausto, 2006).

Assim, a corte portuguesa no Rio de Janeiro protegeria os interesses portugueses na região e impediria que potências europeias se aproveitassem da fragilidade política e econômica de Portugal, naquele momento. Em 1815, foi criado o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, momento em que o príncipe regente D. João se tornou o rei D. João VI. Também nessa época, iniciou-se a era Joanina, marcada por grandes obras e movimentos culturais, durante a qual houve a abertura de bibliotecas e teatros no Rio de Janeiro. Percebeu-se também um aumento da população, na sede da monarquia, que duplicou de 50 para 100 mil pessoas. Esse movimento sinalizava desenvolvimento e autonomia, desagradando a elite portuguesa que desejava manter o Brasil como colônia (Fausto, 2006).

Naquela época, e ainda antes da chegada da corte portuguesa ao Brasil, não havia ainda um senso nacional de brasilidade, fosse devido à condição de colônia ou à presença mandatária portuguesa. No entanto, percebia-se uma inquietação dos movimentos libertários, favoráveis à independência brasileira (Silva). Esses movimentos, que se intensificaram e culminaram com a declaração de independência do Brasil em 1822, eram integrados tanto pelas elites quanto pelas camadas populares e tinham origem nas relações conflituosas entre portugueses e nativos. A cobrança de impostos, a pobreza dos escravos e libertos, a opressão do governo e certas vantagens que a presença da corte em território brasileiro traziam para os portugueses eram motivos de insatisfação dos nativos (Silva).
Ainda no final do século XVIII, explodiram dois grandes movimentos separatistas, conforme Sousa.

A Inconfidência Mineira, em 1789, em Minas Gerais, movimentada pelas elites locais, que lutavam pela redução de impostos e formação de governo livre, e a Conjuração de 1798 a 1799, também conhecida como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, a qual lutava contra o domínio português, na Bahia. Essa última teve bastante destaque no Recôncavo Baiano, principalmente, pela importância comercial do porto, em Salvador. Conflito, este, totalmente esmagado por Portugal, e que consequentemente, deixou uma semente forte de insatisfação no povo baiano (Sousa).

Outro movimento separatista de destaque foi a chamada Revolução dos Padres, ocorrida em Pernambuco, e que teve seu auge entre 1817 e 1818. O movimento contou com o apoio do consulado norte-americano, instalado em Recife, em 1815 e de ex-oficiais de Napoleão Bonaparte, os quais motivados pelas ideias iluministas das sociedades maçônicas nas monarquias portuguesas e pelos gastos da referida corte, pretendiam resgatá-lo na Ilha sul-africana de Santa Helena para levá-lo a Pernambuco e, posteriormente, a New Orleans (EUA). A capitania de Pernambuco, a mais lucrativa da colônia, subsidiava as extravagâncias da corte, entre elas: salários, comidas, roupas e festas. À época, o ainda Príncipe Regente reprimiu com violência esse movimento, retardando para 6 de fevereiro de 1818, sua coroação e a vinda de Maria Leopoldina da Áustria ao Rio de Janeiro. Apesar de ter sido vencido, esse movimento desconstruiu a intenção de João VI de implementar um império americano e tornara-se a base para a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822 (Silva).

Em 1820, numa fase de "rearranjo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves", após 13 anos da transferência e instalação da coroa portuguesa no Rio de Janeiro, iniciou-se a Revolução Liberal do Porto, em Portugal. Como resultado, foi instaurada uma monarquia constitucional, que, na prática, limitava as ações do monarca luso e buscava ampliar o controle de Portugal (Silva). Essa Revolução forçou o retorno do rei para Lisboa, em 1821, em decorrência disso, o herdeiro Pedro de Alcântara assumiria a regência do Brasil, e por conseguinte, Portugal tornar-se-ia mais intransigente, inclusive exigindo o retorno do regente D. Pedro, o qual se recusou, e determinou que as ordens portuguesas só valeriam se autorizadas por ele (Cumpra-se). Este episódio ficou conhecido como o “Dia do Fico.” 

Ainda, o referido autor ressaltou que na Bahia houve conflitos concomitantes, destacando-se o movimento constitucionalista de 10 de fevereiro de 1821 [1]. Como resposta, e em situação provisória, criou-se uma junta de governo na Bahia. Nomeou-se o brigadeiro Manoel Pedro de Freitas Guimarães, o governador das armas brasileiro, que dividiu a Bahia em dois blocos: o nacional e o lusitano (Reis, 2022). 

Diante desse cenário de instabilidade, parte da população de Salvador fugiu para o Recôncavo Baiano, região de movimentos radicais, onde havia grupos com bandeiras de luta republicanas, e outros que lutavam pela autonomia ou independência. As cidades estavam agitadas e, por estarem alinhadas a D. Pedro, formou-se um governo paralelo para comandar a Bahia. Foi necessário Portugal enviar mais soldados à província para reforçar o controle luso. Assim, os portugueses constituíram o “Partido da Praia”, na freguesia da Conceição da Praia, distrito comercial de Salvador, onde muitos deles residiam ou tinham comércio (Reis, 2022; citando Souza Filho, 2010).

Reis (2022), reportou que foram usuais os confrontos entre soldados e paisanos lusos civis, não militares, contra os “moleques”, jovens negros. Um exemplo disso, foi a procissão de São José, evento exclusivamente português, ocorrido em março de 1822, onde os participantes e imagens foram apedrejados e as pedras tornaram-se armas contra a ocupação lusitana. Para os portugueses, os baianos eram cabras, que significava pardos escuros “indignos da Costa de África”. Os baianos apelidavam os portugueses de “caiados” (o termo maroto, que já circulava em Pernambuco, ainda não fora adotado na Bahia), pois ser branco era injúria no xingamento popular. Assim, “caiado”, mesmo após a Independência, era o insulto predileto dos negros contra brancos, independentemente de serem ou não europeus. 

A situação se agravou com a declaração de independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822, pelo regente D. Pedro, ocasião em que a Bahia declarou lealdada a Portugal, apesar da rejeição popular. Às pressas, D. Pedro formou uma tropa unificada para defender a Bahia, denominada “Exército Pacificador”, perfazendo 15.000 soldados. Aí estavam incluídos os voluntários do Recôncavo, liderados pelo general Pedro Labatut (mercenário francês) (Reis, 2022). Labatut desembarcou em Maceió- Alagoas, caminhando com seus soldados até Salvador. Durante esta trajetória, foi ganhando novas adesões ao seu exército, o que lhe permitiu realizar batalhas em Cabrito e Pirajá e vencer Madeira de Melo, pois este não conseguiu conter as tropas brasileiras que cercaram a cidade de Salvador (Reis, 2022; Silva).

Os conflitos não se apaziguaram após a independência do Brasil, pois Portugal intencionava manter sob sua tutela o Norte e Nordeste brasileiros devido às riquezas de recursos naturais. Milhares de soldados foram enviados para Salvador, em 1822, sob o comando do novo nomeado português Madeira de Melo, que substituiria Manuel Pedro. Enquanto Madeira de Melo não era bem-quisto pela população ou pelas tropas, Manuel Pedro era um comandante nativista dos populares e soldados baianos. No Forte de São Pedro houve forte resistência para manter o comando e lutas foram travadas contra o General Madeira de Melo e seus soldados.

Entretanto, o forte foi tomado e Manuel Pedro foi preso e enviado para Portugal. As tropas hostis portuguesas afrontavam e debochavam da população, ocasionando conflitos violentos, registrados na Praça da Piedade, em Salvador, acarretando inúmeras mortes e massacres.  Ressalta-se que desde 19 de fevereiro de 1822, desencadeou-se marcante violência na província (Reis, 2022; Silva).

Mesmo após a declaração de independência, Salvador ainda estava sob domínio dos portugueses. Ocorreram batalhas no litoral, no rio Paraguaçu, em Salvador, na Ilha de Itaparica e em diversas vilas do Recôncavo. Itaparica ficava em uma posição estratégica tanto para portugueses quanto para baianos, entre a foz do rio Paraguaçu e a baía de Todos os Santos, local por onde chegava grande parte dos alimentos que abasteciam Salvador (Damasceno, 2021).

Nesse cenário, as tropas leais a Portugal, sob o comando de Madeira de Melo, resistiram de 19 de fevereiro de 1822, até 02 de julho de 1823. Contando com a ajuda de Thomas Cochrane, que liderava uma esquadra, Salvador foi retomada pelos brasileiros leais a D. Pedro e a Bahia foi reintegrada ao território nacional. Madeira de Melo fugiu para Portugal. 

Por isso, no dia 2 de Julho, representando a liberdade popular, comemora-se, na Bahia, desde 1984, o dia da Independência do Brasil, por meio de uma festa marcada pelo acesso social diversificado desde a Primeira República, contando-se no desfile com as figuras indígenas de Caboclo(a), as quais foram proibidas pelas autoridades, no ano anterior (Albuquerque, 1999).

Símbolos da Independência do Brasil na Bahia 

Nas comemorações do 02 de Julho na Bahia, são homenageadas figuras simbólicas, como o Caboclo e a Cabocla, voluntários, negros libertos, soldados regulares, tupinambás, entre outros que integraram a resistência. São lembradas as mulheres Maria Quitéria, pioneira a integrar o Exército Brasileiro, e a mártir Joana Angélica, religiosa assassinada no Convento da Lapa (Alves, 2023). 

Ainda, foi reportado sobre o percurso do cortejo em Salvador inicia-se na alvorada, no Largo da Lapinha, com queima de fogos, hasteamento da bandeira e execução do Hino Nacional. A procissão segue em direção à Praça Thomé de Souza e se encerra na Praça 2 de Julho, no bairro do Campo Grande. Compreender o processo histórico, associado aos personagens e fatos marcantes, significa valorizar o presente e projetar o futuro, trazendo um aprendizado continuado sobre a identidade brasileira.

 

NOTA DE RODAPÉ

[1] Movimento baiano ocorrido entre 1820-1821 contra a corte portuguesa mandatária instalada no Rio de Janeiro. Sob influências da revolução liberal em Portugal, contra o despotismo e a favor de um governo constitucional, não se questionava a monarquia, mas queria-se que D. João, legítimo soberano, governasse com uma Constituição a ser elaborada pelo Congresso de Lisboa (Neves, 2011).

 

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02 Julho de 2024: 201 anos da Independência do Brasil, na Bahia