Museus de Ciências: cultura, lazer e afetividade
Midia
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Do latim musēum, espaço destinado à formação, como centro histórico de referência e de interesse público. Do grego mouseîon, templos – onde se deixavam oferendas (bens preciosos ou objetos exóticos), as quais eram expostas ao público, mediante pagamento de pequena quantia, a fim de ofertá-las às divindades Mousas (musas), filhas de Zeus (mestre do Olimpo) e Mnemosin (deusa da memória; filha de Gea e Urano) (VESCHI, 2000; CONCEITO, 2020).
.... Todos podem redescobrir e deixar desabrochar sua curiosidade natural, ousar perguntar, ousar procurar respostas, ousar responder e aprender a analisar as respostas; todos podem sentir o prazer da descoberta e, a partir daí, descobrir como se descobrem coisas. E, sendo um pouco cientistas, entender melhor o processo científico. É a partir deste entendimento que cada indivíduo poderá se apoderar do conhecimento científico como um bem cultural, entender melhor as relações entre Ciência e a sociedade, saber como uma nova descoberta poderá influenciar sua vida, seu ambiente, seu planeta e, assim, participar do processo de desenvolvimento científico como atores desse processo e não apenas como meros coadjuvantes ou sujeitos passivos.... (CAVALCANTI e PERSECHINI, 2011)
Segundo Veschi (2000), os museus representam a identidade cultural de diferentes civilizações e épocas, motivo pelo qual estão presentes na Europa as maiores coleções, muitas das quais foram obtidas ou comercializadas sob coerção, tirania ou morte, numa clara exibição de poder. De fato, Imbroisi e Martins (2022) registraram que na Roma antiga era comum a exposição de peças saqueadas pelo exército em conquistas e o colecionismo de livros, estátuas de bronze e outros objetos artísticos, pois eram muito apreciados pelas classes de alto poder aquisitivo.
Pode-se dizer, portanto, que a existência dos museus está associada ao hábito humano remoto de guardar e preservar objetos representativos, com valor material, emocional ou mesmo cultural, mas só a partir do século V a.C. (antes de Cristo) há registro de exposições públicas (IMBROISI; MARTINS, 2022).
Na contemporaneidade, a configuração vigente de museu surgiu na Itália renascentista, onde o humanismo fundamentou a ideia de cultivar e expor as coleções. Giorgio Vasari, pintor e arquiteto italiano, conhecido como fundador da historiografia artística, foi o pioneiro na construção de um edifício que futuramente seria utilizado como museu, em 1560: o Palácio Uffizi, em Florença.
Na Europa, o colecionismo no século XVI reforçou o prestígio do monarca Francisco I, e no século XVII, os reis, a aristocracia, a igreja e os burgueses se transformaram em colecionadores apaixonados, sendo bases aos futuros museus nacionais de pintura, arqueologia ou temáticos. Por exemplo, as coleções de pinturas na dinastia dos Astúrias (Espanha); a burguesia e os aristocratas holandeses; o rei inglês Carlos I, que reuniu coleção de pintura, com as peças dispersas após a revolução de 1648. Até o século XVIII, só existiam museu privados, acessíveis apenas à elite (IMBROISI; MARTINS, 2022).
O acesso popular surgiu como produto da renovação ideológica proposta pelo Iluminismo, a qual enfatizava que apenas a razão, aliada ao método científico, poderia fornecer as verdades elementares que seriam as bases do progresso do conhecimento (PISSURNO, s.d.)[1].
... A narrativa histórica, como meio de representação, organiza a percepção humana e a forma de percepção da realidade, interrelacionando experimentos de vários tempos, numa transmissão de uma tradição cultural. Benjamim (1994), citando Proust, nos diz que “a presença do passado no presente e o presente que já está lá, prefigurado no passado, ou seja, uma semelhança profunda, mais forte que o tempo que passa e que se esvai sem que possamos segurá-lo” (CAVALCANTI e PERSECHINI, 2011).
Os Gabinetes de Curiosidade, precursores dos museus de ciência, surgem no fim do século XVI. Nesses locais, se encontrava de tudo um pouco, muitas vezes eram coleções particulares e a sua frente estavam nobres, aventureiros e naturalistas que marcavam a cena intelectual da época. No século seguinte, o acervo das coleções dos gabinetes passa a ser visto por um conjunto mais amplo de pessoas curiosas e interessadas em temas de ciência, se transformando nos novos modelos da ciência experimental moderna e se tornam, ainda que de forma tímida, acessíveis ao público. Um exemplo marcante desse processo é o Museu de Ciência de Oxford de 1683 (VALENTE, 2004). O museu originou-se da doação da coleção de John Tradescant, feita por Elias Ashmole à Universidade de Oxford, e é conhecido como Ashmolean Museum.
Posteriormente, a aquisição por parte do Parlamento Inglês, em 1759, do acervo de Hans Sloane (médico, naturalista e colecionador irlandês), incluindo 150 peças originárias do Egito e 3.560 manuscritos, deu origem ao atual Museu Britânico (Londres) (NOTAS, s. d.). Alguns anos depois, após a Revolução Francesa, foi criado pelo governo republicano francês, em 1791, o Museu do Louvre em Paris, com coleções acessíveis a todos, com finalidade recreativa e cultural. Por isso, passou a ser considerado como museu público.
.... a principal motivação para a criação de inúmeros museus de Ciência no mundo durante as últimas décadas está situada num campo mais romântico e diletante, voltada para “tornar a Ciência mais próxima do cidadão comum, desmistificar a Ciência”, possibilitar o “gozo intelectual” da descoberta (citando WAGENSBERG, 2007), pura celebração de uma das mais sofisticadas obras humanas: a cultura científica e as conquistas tecnológicas.... (CAVALCANTI e PERSECHINI, 2011).
Conforme Pissurno (s. d.), o marco dos museus no Brasil foi a chegada ao Rio de Janeiro, em 1816, da Missão Artística Francesa, com os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas Taunay e o arquiteto Grandjean de Montigny, entre outros. Em 1818, o vice-rei Luiz de Vasconcelos autorizou a construção do Museu de História Natural, hoje Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista. Em 1826, foi inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes, que deu origem ao Museu Nacional de Belas Artes. Em 1862, foi instituído o Museu do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco.
Pissurno (s. d.), comenta que a partir do século 20, com o avanço tecnológico das plataformas virtuais, as vanguardas artísticas buscaram uma renovação e reestruturação no foco do museu interativo e/ou em ambientes virtuais, com exposições em estruturas fixas e/ou itinerantes, numa relação crescente entre exposição, público e novas expressões artísticas (moda, artes gráficas e vivências pessoais).
São referências mundiais de vanguarda: Exploratorium (São Francisco) e Museum of Modern Art (MoMA; Nova York); Centre Georges Pompidou e a Cité des Sciences et de l'Industrie (Paris), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madri) e o Museo Guggenheim (Bilbao). No Brasil, são diferentes o Museu da Pessoa (memória social: história de vida de pessoas, suas experiências e vivências), o Paço do Frevo (Recife) e o Museu do Amanhã (Rio de Janeiro).
Os museus podem ser classificados como entes públicos ou privados e caracterizados como: históricos, de artes, tecnológicos, científicos, etnográficos, botânicos, de ciências, ecológicos, dentre outros, de acordo com a especificidade. Na caracterização dessas especificidades, inclusive de museus de ciência, França (2014), citando Montpetit (1998), elencou os vieses: i) ontológico: com ênfase na história natural; e com extratos do reino animal e vegetal, como parques zoológicos e jardins botânicos; ii) histórico: associado às coleções de história da ciência e tecnologia; história nacional, etnografia, antropologia, história da ciência e da técnica; considera os aspectos visual, educativo e de ambiência; iii) epistemológico: centrado na experimentação científica; os visitantes são sujeitos ativos [interação: manual, mental e/ou cultural (MASSARANI e colaboradores, 2019; citando WANGESBERG, 2000)]. Neste último viés se insere a maioria dos museus de ciência.
Cavalcanti e Persechini (2011) reportaram que na Década de 80, duas iniciativas foram pioneiras na divulgação científica no Brasil: “Ciência Hoje” (1984), uma revista que buscou alcance nacional editada pela Sociedade Brasileira de Progresso para a Ciência (SBPC) e o Espaço Ciência Viva (ECV), que posteriormente, de forma independente, criado em 1986, na Tijuca, Rio de Janeiro, tornou-se o 1º museu interativo hands-on (possível de manuseio, tradução livre) de Ciência do Brasil, objetivando a divulgação e desmistificação da Ciência, sendo acessível ao senso comum. Na mesma época surgiram a Estação Ciência (São Paulo), o Museu de Ciência e Tecnologia (Porto Alegre) e o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Rio de Janeiro).
O Brasil adentrou o século XX com apenas 12 museus e hoje constam mapeadas 3.894 instituições museológicas, das quais 268 são museus ou centros de ciências. O ente representativo dessas instituições no Brasil é a Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC), fundada em 15 de julho de 1999, que objetiva unir ideias, compartilhar experiências, projetos e possibilitar a interseção de recursos e informações entre centros e museus de ciência, profissionais e instituições que atuam com popularização da ciência.
Ressalta-se que o elemento humano está sempre presente nestes cenários, como público ou mediadores (guias, monitores ou tutores). Museus e centros de ciências são vetores de cultura e tecnologias contemporâneos, associando princípios científicos e aparatos tecnológicos para difusão e popularização científico-cultural, fazendo a interseção entre sociedade, ciência e cientistas, objetivando informação, educação e diversão, sendo imprescindível conhecer, alcançar e interagir com seu público-alvo.
Perante este direcionamento, os museus e centros de ciência tornam-se ferramentas colaborativas, contributivas e aditivas ao processo de formação de indivíduos competentes e comprometidos, com as questões científicas, tecnológicas e de processos de conhecimento continuado além da escola, reconhecendo a multiplicidade dos ambientes de aprendizagem por educadores, educandos, ou pelo público em geral. (FRANÇA, 2014).
Massarani e colaboradores (2019, p. 3), citando Cury (2005), ressaltaram que esses espaços propiciam aos visitantes exercer a interdisciplinaridade e a interculturalidade, possibilitando que se informem e se engajem com ciência e tecnologia, indo “além de seus conhecimentos prévios de diversas áreas, referências culturais, históricas e experiências do cotidiano, pois favorecem a construção da própria narrativa, do discurso e da impressão sobre a exposição”, com uma aprendizagem por livre escolha, decorrente da vontade, interesse, condições socioculturais, cultura institucional, interações sociais, experiência prévia individual, dentre outros fatores, que se tornaram tema de estudos de diversos pesquisadores.
[...] a aprendizagem em museus é diferente da aprendizagem em qualquer outro ambiente pela virtude da natureza única do contexto do museu (MASSARANI e cols., 2019, citando FALK e STORKSDIECK, 2005b, p. 120).
Cavalcanti e Persechini (2011) afirmaram que a curiosidade é inata do ser humano e a força motriz da Ciência, que sendo produto de algo comum a todo ser humano, mas tendo se afastado do cidadão comum, precisa ser desmistificada e tornar-se de fácil acesso. Na era da informação demanda-se a possibilidade de entender como funciona o método científico, considerando a ciência como uma atividade humana, portanto tangível.
[...] Os museus de Ciência, como narrativa da cultura científica, realizam cópias ou reproduções dos experimentos ou experiências que mudaram a percepção da natureza e da compreensão de mundo....
Em grande parte, e principalmente em países da América Latina, os museus de Ciência mantêm como meta (similares às apresentadas desde o século XVII), a educação em ciências, em função das “exigências contemporâneas referentes, sobretudo no que se refere ao alfabetismo científico salientarem a necessidade de os cidadãos se relacionarem com temas e conhecimentos científicos” (CAVALCANTI e PERSECHINI, 2011; citando VALENTE, CAZELLI e ALVES, 2005).
Citando Albert Einstein: “Eu acredito em intuição e inspiração. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação engloba o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando origem à evolução. É, a rigor, um fator concreto na pesquisa científica”.
Assim, sem observação, inspiração, dúvidas, questionamentos, interações e tentativas, não se alcança experiência e conhecimento, onde o limite é o horizonte! E segundo o dramaturgo e romancista Bernard Shaw: “Alguns homens vêm as coisas como são e perguntam: por quê? Eu vejo as coisas como não são e pergunto: por que não?
NOTAS DE RODAPÉ
[1] (s.d.) = sem data de publicação. Disponível em https://www.uc.pt/sibuc/Pdfs/ISBD3