Entrevista concedida a Francisco Carlos Deschamps e Airton Rodrigues Salerno (Estação Experimental de Itajaí - Epagri /SC).

Midia

Part of Entrevista Roberto Miguel Klein

Publicada em janeiro/fevereiro de 1994.

Com a vida dedicada ao estudo da botânica e da ecologia, o professor Roberto Miguel Klein, do Herbário Barbosa Rodrigues, localizado em Itajaí (SC), foi um profundo conhecedor da Mata Atlântica. Agraciado, junto com seu colega Padre Raulino Reitz, com o prêmio Global 500, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, teve o seu nome homenageado com 36 espécies botânicas novas. Autor de mais de 160 trabalhos publicados em revistas do Brasil e do exterior, sua obra está registrada principalmente na Flora ilustrada catarinense e na revista Sellowia, além dos livros Projeto madeira de Santa Catarina Projeto madeira do Rio Grande do Sul. Um trabalho importante para a geração de conhecimentos que permitiram desenvolver conceitos sobre o manejo de florestas. O professor Roberto Klein sofreu um derrame cerebral em abril de 1991, vindo a falecer no dia 13 de novembro do ano seguinte.

Fale-nos sobre sua origem e formação, professor.

Nasci em 31 de outubro de 1923, no município de Montenegro (RS), onde cursei o primário. O secundário fiz em Gravataí e, no seminário em 1947, concluí o curso de filosofia. Em 1949 vim para Santa Catarina trabalhar com o Dr. Henrique Pimenta Veloso no levantamento fitoecológico da costa atlântica do sul do Brasil. Nosso objetivo era estudar o relacionamento das bromélias ou gravatás com a proliferação de larvas dos mosquitos transmissores da malária. Cursei história natural na Universidade Católica do Paraná, de 1960 a 1964. Isso foi necessário para validar o meu título na atividade que desempenhava. Como nosso trabalho era vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado, eu precisava ter curso de agronomia, veterinária ou história natural. Optei pelo último, mais condizente com as minhas inclinações.

Quem foi o Dr. Veloso?

Era biólogo e especializou-se em ecologia com o professor Pierre Dansereau, do Canadá, que viera ao Brasil dar um curso de ecologia no Rio de Janeiro, principalmente sobre as áreas de restinga e da floresta atlântica. O Dr. Veloso era funcionário do Instituto Oswaldo Cruz e, após ter desenvolvido um trabalho de ecologia no norte, na Bahia e em Minas Gerais, foi convidado para fazer o levantamento da vegetação das bromélias, para relacioná-las com os criadouros do mosquito da malária no sul do Brasil. As bromélias criam condições adequadas ao desenvolvimento dos mosquitos transmissores de malária, graças aos pequenos depósitos de água formados pela disposição das folhas. Nesse trabalho, minha função era coordenar a equipe de ecologia, entomologia e fitoecologia.

Qual a influência do Dr. Veloso e desse trabalho na sua formação?

Foi decisiva, porque eu não tinha conhecimento prático; em ecologia, eu tinha observações de conhecimentos populares. Foi acompanhando meu pai em caçadas que aprendi as coisas elementares. Com o Dr. Veloso, comecei a sistematizar, e além disso fiz um curso de dois anos com ele, que começou com seis alunos (o pessoal da equipe), duas vezes na semana durante duas horas. No fim eu fiquei sozinho mas ele continuou mesmo assim. Então, além do trabalho prático no campo, ele me ensinava teoria, estudando ecólogos como Dansereau, Braun Blanquet, importantes na época. Nessas discussões aprendi muito sobre a ecologia vegetal no Brasil.

Como surgiu o interesse pela botânica?

Ao desistir do sacerdócio, soube que o Padre Raulino Reitz ia fazer um levantamento botânico em Santa Catarina. Após uma consulta prévia ele me aceitou no trabalho, mas não logo: dependia da construção do herbário, o atual Herbário Barbosa Rodrigues. Enquanto esperava, como eu sabia falar alemão, fui trabalhar em Estrela (RS), na rádio Alto-Taquari, como locutor do programa Hora Alemã, e me correspondia com o Padre Raulino. Meu contrato na rádio era de dois anos.

Depois desse prazo escrevi ao Padre consultando sobre a oportunidade de começarmos o trabalho, caso contrário teria que renovar com a rádio por mais dois anos. Ele respondeu que ainda não era possível e me indicou a outra pessoa. Era o Dr. Henrique Veloso, que estava implantando um programa novo muito ousado em Brusque, no Instituto de Malariologia. Trabalhei durante três anos com o Dr. Veloso e aí, então, é que o Herbário ficou pronto.

Então esse interesse pela botânica, pelo menos nessa fase, acabou sendo determinado pela malária?

A malária foi um dos motivos, se não fosse por ela, talvez eu estivesse num outro emprego. Talvez continuasse a atender a Hora Alemã, talvez engrenasse no magistério ou alguma coisa assim. Trabalhar com o Dr. Veloso foi a minha sorte. Eu não apreciava muito a botânica sistemática, mas através desse trabalho comecei a estudar realmente o que me interessava, ecologia. Então o início de tudo foi o estudo sobre a transmissão da malária e da sua relação com a vegetação florestal onde se criam as bromélias.

Como decorreu esse trabalho?

Cheguei a Brusque em junho de 1949 e logo no primeiro dia fiz o exame do concurso público. No segundo dia, ao saber da aprovação, preparei o que era necessário e no terceiro comecei a trabalhar. O Instituto de Malariologia era subordinado ao Serviço Nacional de Malária, na época dirigido pelo sanitarista Mário Pinotti. A pesquisa ficou pronta em 1953. Estabelecemos que, das 89 espécies de bromélias existentes nessas matas, oito eram importantes para a criação de mosquitos transmissores de malária.

Padre Raulino participou desse trabalho?

Sim. Ele foi indicado pelo Dr. Lyman Smith, um especialista em todas as bromélias da América. O Dr. Veloso convidou Smith para vir para cá, mas ele respondeu que só poderia ficar pouco tempo. E indicou o Padre Raulino, com o qual já se correspondia, como alguém que conhecia as bromélias tão bem quanto ele. A partir de uma classificação preliminar que fizemos, o Padre começou a fazer uma sistematização e uma classificação mais correta.

E quando o senhor entrou para o Herbário?

Em fevereiro de 1953. Do Instituto de Malariologia passei imediatamente para o Herbário Barbosa Rodrigues. Mas este prédio em que estamos agora ainda não estava pronto. O Herbário ainda funcionava no seminário de Azambuja, em Brusque.

Foi lá que o Herbário começou?

Não, o Herbário começou no Rio Grande do Sul, com o Padre Raulino. Mas em 1949, quando cheguei, tinha sido transferido para o seminário da cidade de Brusque, onde ficou até 1954. Depois foi mudado para este novo prédio. Morei aqui no Herbário por muitos anos. O terreno foi doado pelo prefeito Paulo Bahuer, que considero o maior benfeitor do Herbário. Depois ele conseguiu a verba, com um órgão federal, para a construção do prédio, que ficou pronto em 1954.

E o trabalho era remunerado?

No princípio eu recebia uma verba através da Sociedade Científica que mantinha o Herbário mas, como era pouco, apelamos à Secretaria de Agricultura. Foi sugerido então o meu ingresso como botânico auxiliar, trabalhando como funcionário estadual mas cedido ao Herbário.

Quando começou a sua vida acadêmica?

Para compensar o salário insuficiente, passei a lecionar no curso secundário à noite. Depois, o Dr. Beluzzo Jr., Secretário da Agricultura, vendo que como botânico eu não ganhava muito, permitiu que lecionasse um dia na semana no período diurno. Minha vida era muito difícil. Por isso é que resolvi fazer o curso de História Natural no Paraná, para adquirir formação científica que me permitisse progredir na Secretaria e ganhar um pouco mais.

Isso foi entre 1960 e 1964. Fiz o curso com 50% de frequência, porque eu ia num dia e no outro ia trabalhar. Eram seis horas de viagem de Itajaí a Curitiba: eu saía às sete da manhã e chegava a uma da tarde, a uma e meia começava a aula, que ia até as sete da noite. Mas às seis e meia eu tinha que pegar o ônibus de volta, e assim fui levando. Durante 1964 lecionei na Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, mas o objetivo maior era fundar um Herbário nos moldes do Barbosa Rodrigues. Quando criaram a Fundação de Ensino do Polo Geoeducacional do Vale do Itajaí - Fepevi, atual Universidade do Vale do Itajaí (Univali), passei a lecionar à noite, durante a semana, e na Fundação Educacional da Região de Blumenau (Furb) aos sábados.

Como foi o contato com a Universidade?

Eu já tinha contatos com o meio acadêmico por causa do trabalho de ecologia com o Dr. Veloso, conhecido nacionalmente desde 1956. Foi nesse ano, antes de me formar, que comecei a publicar trabalhos na Sellowia. A revista foi fundada em l949 e era de responsabilidade do Herbário, como sua penetração no meio acadêmico era boa, fiquei conhecido nas universidades.

E o senhor então conseguiu desenvolver seu trabalho de pesquisa na Universidade?

Na UFSC eu tinha a meu encargo a iniciação de professores, como o Souza Sobrinho, Antonio Bresolin, além do ensino para pesquisa, que na época não existia e foi implantado por nosso departamento de botânica, começando com um planejamento dentro da ilha e da grande Florianópolis, para um levantamento detalhado da flora dessa área.

Outro pesquisador que foi meu estagiário durante quatro anos foi o professor Ademir Reis, que se doutorou em Campinas. Considero-o o discípulo mais interessado. Ele direcionou seu trabalho para o manejo florestal e conseguiu dados que viabilizam economicamente a exploração do palmito, graças ao manejo adequado do palmiteiro da nossa região, desde Paranaguá até o sul do Estado. Na Furb, diversos alunos meus se destacaram nos estudos de manejo florestal e hoje alguns são professores. No manejo florestal e em especial da nossa Mata Atlântica, é preciso conhecer a distribuição e a descrição das espécies. Então, o trabalho de Veloso e Klein é o livro de cabeceira para esse pessoal. Depois tem também a minha tese de doutorado Flora e vegetação do Vale do Itajaí, que aborda os problemas de erosão e enchentes dessa região.

Onde fez seu curso de doutorado?

Na Universidade de São Paulo (USP), de 1972 a 1973. Comecei com o objetivo de fazer mestrado, mas depois da avaliação dos meus trabalhos acabei direto no doutorado. Depois fiz minha tese, em 1977, mas só pude defendê-la em 1979, uma vez que o curso ainda não estava credenciado. Ela está publicada na Sellowia ("Ecologia da flora e vegetação do Vale do Itajaí". Sellowia, n° 31 e 32, 1979).

Nesse período, quais foram as grandes limitações?

Atualmente creio que seria difícil repetir o que fiz. Durante dois anos, eu trabalhava durante a semana e no final de semana ia a São Paulo fazer os créditos. Mesmo assim, não houve interrupção no nosso trabalho.

Como era fazer pesquisa numa época e num local sem grandes condições?

Na época, a natureza de nosso trabalho não exigia tantos recursos. Assim, começamos a coletar nos arredores da grande Florianópolis. Muitas vezes os professores utilizavam seus próprios veículos para realizar as coletas. Algumas latas que fechassem bem e permitissem guardar as plantas que já estivessem secas era o suficiente. Levei a maior parte do material coletado para o Herbário Barbosa Rodrigues, onde ainda hoje se vê uma pilha de latas guardando o material da Universidade. Porque todo esse material vinha para o Herbário para posteriormente ser enviado a especialistas nos EUA, México, vários países da Europa e até Austrália.

Como foi a sua trajetória no Herbário?

Meu trabalho foi acompanhar, sempre que possível, o Padre Raulino nas pesquisas sobre a flora catarinense. Quando viajávamos, o Padre dirigia o jipe e eu ia de caneta e papel na mão, fazendo as anotações necessárias sobre o planejamento das coletas. Tudo isso para que, depois da coleta do material, pudéssemos editar a Flora ilustrada catarinense. Esse trabalho era mantido durante a pesquisa de campo e também de noite, quando tínhamos umas horas vagas. Nossa Flora foi tão bem planejada que difere de outras existentes no mundo. Além da botânica, aplica a ecologia, para a qual pude contribuir muito graças à experiência adquirida com o Dr. Veloso. O ponto alto da Flora de Santa Catarina eram as observações ecológicas, um capítulo inexistente nas outras floras.

Incluímos a descrição da fenologia, da época de floração e da utilidade das plantas. A Flora da Argentina, por exemplo, é muito bonita, mas não tem esses capítulos. Nos EUA todo mundo deu destaque à Flora catarinense. Por que ela não ficou só na parte básica mas acrescentou outras informações muito úteis. Foi com esse enfoque, aliando dados da ecologia e da parte botânica, que conseguimos vencer os concursos para fazer os projetos Madeira de Santa Catarina Madeira do Rio Grande do Sul.

Como foi planejada a "Flora catarinense"?

Nós marcamos as estações de coleta a fim de observar as variações dos solos ao longo das encostas, ao contrário de outros pesquisadores botânicos que exploraram em locais próximos aos rios ou mais fáceis. Nós nos cansávamos muito para conseguir espécies de solos úmidos, médios, xeromorfos e outros. As nossas estações ficavam em locais muito acidentados da Mata Atlântica, mas por isso mesmo conseguimos espécies novas para a ciência. Em princípio eram espécies que pareciam se limitar a Santa Catarina e hoje são encontradas em outros locais do Brasil.

De onde veio a ideia desse planejamento?

Queríamos atingir todo o Estado. A eficiência da coleta eu devo ao Dr. Veloso. Ele dizia que deveria abranger toda a área morfológica (topos de morro, planícies, etc.), recomendação que depois aplicamos. No início, tínhamos programado pouco mais de 60 estações de coleta. Como mais espécies iam aparecendo, tivemos que acrescentar mais estações no meio do caminho. No final, chegamos a cerca de 180. Em cada estação fazíamos 10 visitas anuais, para pegar todas as plantas em floração ou frutificação, isto é, das espécies com florescimento anual. Depois descobrimos as espécies que não florescem todos os anos. Por exemplo, o pau-óleo é uma árvore bonita mas que floresce de dois em dois anos ou três em três. Observamos uma árvore que só no quarto ano floresceu. Foi justamente para comprovar isso que partimos da ideia de que todas as plantas floresciam e frutificavam anualmente. Também sabíamos que a intensidade da floração varia, o que nos permite prever, por exemplo, que o jacatirão ia florescer completamente em determinado ano.

Por quê?

Porque houve um estímulo, como um inverno seco, e as plantas se ressentiram; e a planta, quando se ressente, se reproduz intensamente através de flores e sementes. Analisando-se vários anos a biologia de uma determinada espécie, podíamos observar os efeitos do clima sobre o florescimento ou a ausência de florescimento

Qual a contribuição de um trabalho como o realizado no Herbário para o desenvolvimento do país?

Com os dados gerados pelo Herbário, é possível fazer trabalhos aplicados baseados em informações reunidas durante mais de 40 anos. Talvez os pesquisadores que desenvolveram este trabalho básico não sonhassem com resultados práticos. Mas o melhoramento das pastagens, o manejo de solos e de águas e outras coisas poderão decorrer dele. Somente do planalto catarinense temos três volumes sobre gramíneas nativas, trabalho feito por dois especialistas americanos e eu. Levamos cerca de dez anos para elaborá-lo, apontamos dentre as 400 espécies de gramíneas estudadas as vinte mais viáveis. A partir desses dados básicos e usando técnicas científicas para melhoramento de pastagens com espécies nativas, talvez se possa duplicar, ou até mais, o número de animais por unidade de área. Procuramos construir a partir do Herbário uma base que pudesse ser aplicada. Uma coisa que acho muito importante é procurar na nossa vegetação nativa as alternativas para a região, para não introduzir espécies exóticas, cuja possibilidade de adaptação ao meio é totalmente desconhecida.

Atualmente existe uma pressão muito grande pela pesquisa aplicada, de resultados. Como é que se pode realizar um trabalho básico com tanta pressão por resultados? Nós realmente precisamos da pesquisa aplicada, mas a pesquisa básica muitas vezes fornece dados fundamentais para que a pesquisa aplicada tenha resultados mais rápidos... O exemplo do Herbário é marcante.

Isso é uma coisa que sempre procurei dizer. Trata-se de compreender a importância da pesquisa básica para pesquisa aplicada. Sem ela, é como construir uma casa começando pelo telhado. Um dos nossos objetivos era melhorar o ensino médio e principalmente o superior, porque os nossos livros didáticos com seus desenhos traziam apenas exemplos da flora do exterior. Em 1949, quando comecei a trabalhar, ninguém sabia o nome científico da canela preta. Então mandamos o material para a Austrália e EUA, e depois soubemos de um especialista no Rio de Janeiro e mandamos para lá também. Todos eles disseram que seu nome científico era Oocotea pretiosa, o que está errado. Isto demonstra que a botânica básica estava na estaca zero. Atualmente, com a edição da Flora ilustrada catarinense e dos livros resultantes dos "projetos madeira", já se tem muita coisa. Esses livros, presentes nas escolas, permitem aos alunos conhecer as espécies mais importantes para aplicação em manejo ou mesmo em reflorestamento. Foi um caminho longo.

Como foi desenvolvido o projeto madeira em Santa Catarina e Rio Grande do Sul?

Esse projeto aconteceu porque naquela época considerou-se a necessidade de repor 10 a 15% de espécies nativas. Então, plantava-se qualquer coisa. Quando nascia, ficava por isso mesmo. A Sudesul veio com a ideia de fazer um estudo no sul do Brasil sobre árvores capazes de servir para reflorestar ou adensar a mata.

Qual o intercâmbio que vocês tiveram fora da região e do país?

O nosso plano de coletas já descrevi, mas a classificação botânica da maioria das espécies nem eu nem o Padre poderíamos fazer. Contatamos então vários botânicos, mas houve dificuldades para conseguir que participassem. Por isso, o Padre viajou aos EUA, Europa e Austrália para contatar botânicos dispostos a colaborar com a Flora catarinense. Como resultado a descrição da flora é produto de 150 pesquisadores de alto nível técnico.

É um trabalho bastante conhecido no exterior.

É verdade, nosso trabalho é reconhecido internacionalmente. Nos EUA, na Alemanha, na Inglaterra e outros países os nossos trabalhos estão em lugar de honra. O conhecimento do trabalho do Herbário levou, entretanto, a algumas aberrações geográficas. Em vários lugares onde estive, como Venezuela, Chile e Argentina, o pessoal falava que Itajaí era a capital do Estado. Então fui ficando nervoso, e expliquei que Itajaí era uma cidade importante no Estado, mas que a capital ficava a cerca de 100 km ao sul. Perguntei por que eles diziam isso e responderam: "Com uma produção científica assim, Itajaí só pode ser a capital". Então me senti muito satisfeito.

Conte-nos algo marcante de seus trabalhos no exterior.

Nosso trabalho foi tão bem conceituado que fui convidado para realizar estudos em outros países. Por exemplo, no Paraguai realizei um trabalho mais intensivo. Era um projeto da FAO. Fiz um concurso de títulos em Roma, candidatando-me a dirigir os estudos práticos sobre as florestas do Paraguai. Tirei o primeiro lugar e fui convidado a trabalhar três meses nas florestas orientais do Paraguai. Também dei um curso em Assunção sobre dendrologia e publiquei um pequeno trabalho sobre dendrologia das árvores do Paraguai. Eles disseram que foi o melhor trabalho de dendrologia que até então existia. Claro, não havia sido feito nenhum antes, de modo que eles podiam achar assim.

Outro fato que me deixou realizado: fiquei sabendo, através de meu acompanhante da FAO, de uma pequena reserva de pinheiros. No local, vimos que era um pinhal já em substituição, mas era uma floresta situada em solo muito ruim, com o detalhe de que os pinheiros estavam se regenerando. Eu disse então: "Todo mundo diz que esse pinheiro foi plantado pelo índio, mas ele é nativo". E o acompanhante me disse: "Doutor, temos que ir a Assunção falar com o Ministro da Agricultura". O ministro se prontificou a sobrevoar a região no dia seguinte. Após alguns sobrevoos rasantes e com pouca velocidade, ele ficou impressionado com os 500 pinheiros adultos que viu lá. Até noticiaram na imprensa, mas o que ficou de concreto é que hoje aquela área é um parque nacional de pinheiros. Já tinha brasileiro querendo derrubar. Os pinheiros tinham se instalado ali numa época anterior, em que a mata não conseguiu sufocá-los. O parque chama-se El Pinhalito.

Por não saber dessa dinâmica é que o IBDF falhou. Ele via aquelas condensações de pinheiros nos campos e dizia: "Aqui é o lugar do pinheiro". Mas não. Ali o pinheiro se refugiou da mata que o sufoca. Por isso é que eu digo que pinheiro tem que ser plantado em áreas onde antes existiam florestas. E não só de pinheiros, mas de outras árvores também. Mas ninguém liga.

Pelo que o senhor descreveu, é possível uma exploração racional das florestas.

Para isso é necessário um estudo dinâmico da floresta e do comportamento ecológico, verificando se as espécies se encontram em equilíbrio. Determinar quem está em fase de substituição ou em fase de introdução é muito difícil. Em primeiro lugar, porque exige tempo de observação e, em segundo, porque não dispomos mais de núcleos de floresta primitiva (intocada) em que pudéssemos basear os estudos. A partir daí é que poderíamos estabelecer um critério de exploração racional.

E a nossa Mata Atlântica como está? Tem futuro?

Eu não sei quais são os remanescentes primários onde foram feitas poucas explorações. Da ilha de Santa Catarina, todas as imagens que foram feitas de satélite indicavam que pelo menos 50% eram florestas primitivas. A floresta primária e o capoeirão não são nitidamente diferenciáveis pelas imagens de satélite. Para verificar isso, realizamos um levantamento em áreas da ilha apontadas como de mata primitiva. Só encontramos mata primária em 1% da área, o resto era capoeirão. A mata concentra cerca de 250 m3 de lenha, enquanto no capoeirão varia de 20 a 60 m3. Por aí se pode ter uma ideia dos erros, bem como da importância de se conhecer adequadamente as florestas. Se essa metodologia fosse usada para a Mata Atlântica, acho que se teria um choque, ao constatar o reduzido número de locais com florestas primárias. Ao sobrevoar certas regiões, a gente vê trilhos e caminhos de toras e tratores em tudo quanto é lugar. Não pode haver uma exploração racional da Mata Atlântica em Santa Catarina. Na verdade já exploraram tudo.

Como é ser ecologista mundial?

Bom! Ecologista mundial é me ver realizado, quando a própria ONU reconhece o nosso trabalho de proteção do meio ambiente, como cientista e ecólogo.

Qual a sua mensagem em termos de ecologia?

Acho que devíamos estimular as pessoas que estão se envolvendo no estudo do manejo florestal, que têm conhecimento da flora da região, como professores das universidades e de outros órgãos. Seus trabalhos deveriam ser valorizados, para que pudéssemos fazer um estudo sobre a recomposição das florestas primitivas, a partir do capoeirão. E nós temos espécies que poderiam enriquecer as capoeiras, a partir das mais resistentes ao sol. Esse tipo de metodologia não precisa se restringir a Santa Catarina, pode ser usado em outros Estados. Não se deve considerar só a produção de madeira e lenha, embora importantíssima, mas a proteção do meio ambiente é fundamental. Um exemplo: o jacatirão protege o solo contra a erosão; é uma coisa espetacular, porque a medida que formos enriquecendo a floresta, minimizamos as enchentes. No vale do Itajaí milhões são gastos para combater os efeitos e não a causa das enchentes, que é o desmatamento irracional ao longo das encostas.

Qual o seu maior desejo para o futuro?

O meu maior desejo acho que não vai se realizar. É ver publicada toda a Flora catarinense, não só um sonho meu como do Padre Raulino. Ele morreu desanimado com a falta de recursos. Eu não vou desanimar, porque mais cedo ou mais tarde teremos que intensificar os estudos sobre o manejo florestal e alguns frutos vão ficar. Eu já posso ver isso. Sem conscientização sobre esse tipo de trabalho, não vamos poder conservar nem enriquecer nossas florestas, nem a capoeira nem o capoeirão, que são a salvaguarda do nosso meio ambiente.

Título

Entrevista concedida a Francisco Carlos Deschamps e Airton Rodrigues Salerno (Estação Experimental de Itajaí - Epagri /SC).