Entrevista Luiz Hildebrando da Silva
Midia
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Em 1964, em pleno regime militar, Luiz Hildebrando Pereira da Silva foi preso, demitido do cargo de professor da Universidade de São Paulo (USP) e expulso do País. Encontrou as portas abertas no Instituto Pasteur, em Paris, onde viveu quase 30 anos e tornou-se uma das maiores autoridades internacionais em malária. Mas nem o exílio político forçado nem a boa acolhida parisiense fizeram o médico, parasitologista tirar os olhos do Brasil. Há seis anos, ele trocou a confortável vida às margens do Sena pelo árduo trabalho de cientista da malária, doença que registra 500 mil novos caso por ano no Brasil.
A busca incessante por uma vacina fez com que Hildebrando travasse uma verdadeira guerra contra a doença nas últimas décadas. Durante 20 anos em que foi diretor do Instituto Pasteur, o professor se dedicou a uma incansável pesquisa sobre o mosquito transmissor Anopheles e o parasita Plasmodium, causador da malária. Como o parasita tem o grande capacidade de sobrevivência e resiste aos remédios disponíveis, até hoje não se descobriu a cura da doença. Mas Hildebrando não sossega. Assim que se aposentou do Instituto Pasteur, em 1997, fez as malas e voltou para o Brasil.
O desejo de aprofundar as pesquisas sobre a malária fez com que o professor aposentado fosse morar em Porto Velho, cidade encravada no meio da Amazônia. A bordo de um pequeno barco, costuma percorrer o Rio Madeira á procura do mosquito e do contato com comunidades ribeirinhas isoladas, principais atingidos pela doença. À frente do Centro de Pesquisa de Medicina Tropical de Porto Velho, desde de1997, Hildebrando, ao jaleco, acrescentou boné ,protetor solar e repelente para carrapatos. Quer trabalhar no lugar onde a doença ainda é epidêmica: a Região Norte. O responsável por 90% dos casos registrados no Brasil.
O trabalho de Hildebrando não se restringe às atividades de cientista. O velho humanista e o militante comunista tem uma preocupação constante com as condições de vida das populações ribeirinhas. Enquanto pesquisa a malária, também organiza cooperativas agrícolas, que permitam a auto-sustentabilidade das comunidades da região. A mobilização social é um dos traços do ex-militante do Partido Comunista (PCB), que teve a juventude pontuada por ações políticas. Preso durante a ditadura, articulador do processo de abertura política e testemunha da repressão aos círculos intelectuais nas universidades, tentou retornar duas vezes ao País. Em ambas foi barrado pelos atos institucionais decretados pela repressão, entretanto jamais esqueceu o caminho de casa.
Dono de um currículo brilhante, Hildebrando estudou medicina na USP, na qual se tornou professor na década de 50. Fez pós-graduação na Bélgica e na França. Participou de pesquisas de campo no Nordeste brasileiro e na África, onde acabou por contrair malária no Senegal, doença contra a qual luta. Em Paris, trabalhou com o geneticista François Jacob, Nobel de Medicina em 1965. Poderia Ter ficado em Paris, colhendo os louros de uma carreira de prestígio internacional. Mas isso seria "chato", como gosta de dizer aos amigos.
Empunhando a bandeira de uma ciência engajada, Hildebrando viu no alinhamento entre os preceitos técnicos dos laboratórios e da sabedoria popular o esteio onde a verdadeira ciência deve firmar seu compromisso. Entre o prestígio da academia e a satisfação de fazer da teoria a prática da solidariedade, o médico "com o coração aberto para o mundo e seus semelhantes", nas palavras do amigo Oscar Niemeyer, escolheu seguir o caminho das populações carentes do país. E não se arrepende. É uma prova viva de amor à ciência e ao Brasil.
Texto publicado na revista do Prêmio Unesco 2003