Entrevista concedida a José Jurberg (Fiocruz), Moacyr Vaz de Andrade (Universidade Santa Úrsula) e Alicia Ivanissevich (Ciência Hoje). Texto de Alicia Ivanissevich (Ciência Hoje).

Midia

Part of Entrevista Herman Lent

Publicado em julho de 1991.

Quando se pensa na vida de um cientista que aos 80 anos continua lecionando e pesquisando o misterioso mundo dos insetos, não se pode deixar de sentir um misto de surpresa e admiração, não apenas por sua respeitável obra, mas principalmente pela teimosia e esperança com que se dedica ao quotidiano ato de viver. Um de seus amigos e companheiros de trabalho, Moacyr Vaz de Andrade, muito bem define esta personalidade rara quando se refere a ele como "uma espécie de cavaleiro da Idade Média, sem medo e sem mácula". De fato, o professor Herman tem várias vitórias na sua história profissional. Além de haver publicado 194 artigos nas áreas de entomologia e helmintologia, foi um defensor incansável da criação do Ministério da Ciência e do tempo integral para a pesquisa e o ensino dentro da universidade. Membro fundador da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e titular da Academia Brasileira de Ciências desde 1966, recebeu, em 1972, o prêmio Costa Lima, a maior láurea nacional da área de entomologia. Outro fato que depõe a seu favor é ter sido cassado pela ditadura em 1970, quando a atividade de investigação científica era vista como "obra de comunistas", dentro do episódio que chamou de "massacre de Manguinhos". Seu ar de distanciamento e reserva chega até a inspirar medo às pessoas desavisadas. Mas quem bem o conhece, conta Vaz de Andrade, sabe que o professor Herman é uma criatura com características extraordinárias e que por trás do tímido recolhimento esconde um lado muito brincalhão.

À diferença de muitos cientistas brasileiros, Herman Lent não parece ter manifestado uma forte vocação para a pesquisa quando criança. Seu pai era cidadão russo, comerciante de joias, emigrado, como sua mãe, de uma região vizinha à cidade de Lodz, na Polônia. Para proporcionar ao filho boa educação, matriculou-o, por influência de Dulcídio Pereira, engenheiro muito importante na época, no Colégio Militar do Rio de Janeiro, de onde sairia em 1928 com o título de agrimensor. Desde essa época, Lent se aborrecia muito com o sistema militar e, assim que acabou o colégio, entrou para a Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, hoje UFRJ. Não que gostasse de clinicar - nunca exerceu a profissão de médico - mas na época não existia faculdade de ciências naturais. Só em 1935, por inspiração de Anísio Teixeira, seria criada a Universidade do Distrito Federal (UDF), reunindo, de maneira análoga ao que ocorria na formação da Universidade de São Paulo, pesquisadores estrangeiros.

Já no terceiro ano do curso de medicina, começou a se interessar pelas aulas de parasitologia dadas por A. Azeredo Pacheco Leão, ex-diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi por referência de Pacheco Leão que se dirigiu diretamente ao Instituto Oswaldo Cruz, para falar com o então diretor, Carlos Chagas, e expor seu interesse pela técnica do xenodiagnóstico (diagnóstico indireto da doença de Chagas no homem, feito através do vetor, o barbeiro), desenvolvida por um pesquisador francês, Emile Brumpt. O "velho Chagas" convidou-o a fazer o curso de aplicação do instituto, destinado a estudantes de medicina de quinto e sexto anos. Ele estava abrindo uma exceção para um aluno com apenas 20 anos, que mais tarde se tornaria um pesquisador ilustre.

Durante o período de dois anos de curso, Lent sentiu-se atraído pelas aulas de seu querido professor Lauro Travassos, helmintologista reconhecido internacionalmente. Foi no laboratório de Travassos, junto com um colega, João Ferreira Teixeira de Freitas, que começou sua carreira de pesquisador. Naquela época não havia bolsas de estudo nem salários para estudantes. Ainda não existia a avenida Brasil e o acesso ao instituto era por trem. O único atrativo era o trabalho. Apesar das dificuldades e da exigência da faculdade, Lent passava todas as tardes em Manguinhos, trabalhando em helmintologia, principalmente em taxonomia e biologia de helmintos. A pesquisa nessa área envolvia uma série de outros estudos. Os helmintos são animais parasitas de mamíferos, aves e peixes. Para obtê-los é preciso capturar os animais parasitados, matá-los e necropsiá-los, e só então se podem coletar os helmintos existentes em seus diversos órgãos. Tais estudos dariam frutos em 1934, quando Lent publicou, em colaboração com Teixeira de Freitas, seus primeiros artigos sobre taxonomia e sistemática de helmintos. Naquele mesmo ano, formou-se em medicina, sendo admitido como assistente do instituto em meados de 1936.

Com a criação da UDF, em 1935, seria chamado por Travassos para trabalhar na Escola de Ciências da universidade, experiência que duraria pouco. Dois anos depois, a UDF era cassada e Getúlio Vargas baixava um decreto impedindo o acúmulo de cargos. Lent não teve dúvida: optou por Manguinhos. Esse também foi o ano em que começou a estudar os transmissores da doença de Chagas, motivado pelo trabalho de Arthur Neiva, primeiro pesquisador a identificar o barbeiro como o transmissor da doença. Neiva, fundador do Instituto Biológico de São Paulo e governador da Bahia durante seis meses, simpatizou com ele e o atraiu para o estudo dos barbeiros. Lent resolveu criar barbeiros em laboratório, alimentando-os com sangue de pombos ou galinhas. Obteve várias gerações de barbeiros vivos de espécies diferentes (hoje se encontram cerca de 50 espécies vivas na Fiocruz), material de grande importância para o estudo dos ciclos biológicos desses insetos. Passaria anos identificando barbeiros, verificando seu grau de infestação pela doença de Chagas, conhecendo sua biologia e seus hábitos alimentares.

De 1934 a 1948 Lent publicou diversos trabalhos sobre helmintos, junto com Teixeira de Freitas, e sobre insetos hemípteros (providos de aparelho bucal sugador, causadores de doenças no homem), com Neiva, Manoel Cavalcanti Proença ou sozinho. A partir de 1948, trabalhou em entomologia, associado ao seu discípulo Pedro Wygodzinsky, hoje falecido, com quem chegou a publicar numerosos artigos sobre insetos predadores, principalmente hemípteros do gênero Zelurus.

Embora dedicasse a maior parte de seus dias à ciência básica, constam na sua carreira alguns trabalhos de pesquisa aplicada. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi divulgado que o DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) atuava sobre insetos e que tinha sido usado pelos norte-americanos, na invasão de Nápoles, contra a epidemia de tifo exantemático, Lent iniciou uma pesquisa para verificar qual seria a ação do DDT em barbeiros. O trabalho consistia em dar a galinhas grandes doses do inseticida, para que circulasse em seu sangue sem matá-las, e culminou com a publicação dos resultados: os barbeiros que sugavam o sangue com DDT morriam em consequência do inseticida.

Outro exemplo de estudo aplicado à indústria ocorreu em 1961, quando Lent foi procurado por um funcionário da empresa Souza Cruz, uma multinacional fabricante de cigarros. A empresa buscava uma solução para a proteção das folhas de fumo em estoque, que estavam sendo estragadas por uma broca (coleóptero) resistente aos inseticidas empregados. O funcionário tinha observado, nos armazéns, que entre os sacos de fumo havia muitas teias de aranha cheias dessas brocas. Interessado no assunto, Lent viajou para Salvador e Porto Alegre, onde se encontravam os principais armazéns, acompanhado de um colega do instituto, S. J. de Oliveira. A pesquisa daria origem a dois trabalhos sobre a possibilidade do uso da aranha Uloborus geniculatus no controle biológico da broca Lasioderma serricorne. Um desses estudos não pode ser concluído por causa do golpe de 1964.

Herman Lent publicou também, junto com o médico Mauro Penna, otorrinolaringologista, um estudo sobre o verme Syngamus, parasita de aves, cuja presença foi detectada na mucosa da laringe de um paciente. Lent defende que quem faz pesquisa básica não pensa nas aplicações futuras: "cada pesquisador, com seu trabalho, coloca um tijolinho naquele que será o grande muro da ciência".

O professor trabalharia no instituto durante 39 anos, até ser cassado, com base no ato institucional n° 5, em abril de 1970. Seis anos antes, em junho de 1964, o general Castelo Branco, empossado na Presidência da República pelo movimento militar, havia afastado o então diretor de Manguinhos, Joaquim Travassos da Rosa, para substituí-lo por F.P. Rocha Lagoa, segundo Lent "um médico medíocre, que não possuía credencial como pesquisador". Apesar das pressões exercidas por Rocha Lagoa, que tempos depois seria reconhecido como o vilão da história, os cientistas continuaram a trabalhar por seis anos, publicando os resultados de suas pesquisas e apresentando-os em simpósios, congressos e sociedades científicas.

"Sempre fez parte de nós um espírito de luta", comenta Lent. "Não concordávamos com os desmandos de Rocha Lagoa e repelíamos publicamente suas acusações, protestando junto a instituições científicas, órgãos de assessoramento e de informação, contra a discriminação que sofríamos. Logo fomos apelidados de "subversivos", respondemos a inquéritos humilhantes e desprimorosos que nos obrigaram a desmascarar acusadores e fomos previamente eliminados dos conselhos e das direções técnicas, perdendo a oportunidade de formar jovens pesquisadores. Fomos objetivamente apontados com desconfiança propositalmente estabelecida e que nunca chegou a ser confirmada", relata. Durante os anos que se seguiram à revolução, diversos artigos escritos por cientistas, como o próprio Lent, Haity Moussatché e Ezio Fundão, foram publicados na imprensa criticando a pressão exercida sobre a pesquisa no instituto.

No governo do general Emílio Médici, empossado em 1969, Rocha Lagoa seria nomeado ministro da Saúde e consolidaria sua perseguição inflamada aos pesquisadores de Manguinhos. Por decreto publicado no Diário Oficial de 2 de abril de 1970, dez dos cientistas mais importantes da instituição teriam seus direitos cassados por dez anos, estariam sumariamente aposentados e obrigados a abandonar seus locais de trabalho, impedidos de exercer sua profissão, a de ensinar e pesquisar, em qualquer centro científico do país. "Éramos proibidos de ir a Manguinhos", conta Lent. "Certa vez precisei consultar um livro da biblioteca, mas o diretor do instituto negou meu pedido. Era Oswaldo Cruz Filho. Imaginem, com esse nome!", lamenta. "Havia quem ficasse nauseado só de passar na avenida Brasil. Tal era a lástima que se tinha pelo que aconteceu conosco".

Em editorial publicado no dia 4 de abril de 1970, com o titulo "Servidores da vida", o Jornal do Brasil comentava com ironia a cassação: "...não se sabe com exatidão por quê. Sabe-se que não são terroristas e que nem pertencem ao Esquadrão da Morte. Trabalham em laboratórios e o correto seria talvez dizer que pertencem ao diminuto esquadrão dos que pesquisam a vida entre nós. Todos trabalham há muitos anos em Manguinhos. Todos têm nome conhecido no mundo da ciência internacional. Estariam esses cientistas tramando uma guerra bacteriológica? Nesse caso, deviam estar presos e não apenas sofrendo uma degradação de sua cidadania. A notícia das cassações mergulha o país em perplexidade. De certo só se sabe que em breve os punidos estarão em Harvard, em Cambridge ou na Sorbonne, e que o Brasil terá ficado mais pobre".

Foi um verdadeiro "massacre". Herman Lent, em livro publicado pela Editora Avenir em 1978 - O Massacre de Manguinhos, título que a partir de então foi adotado pela comunidade científica para expressar o desmantelamento do Instituto Oswaldo Cruz - escreveria: "Rocha Lagoa não foi realmente o 'coveiro' de Manguinhos. Foi o 'assassino' da instituição. O 'cadáver' continua insepulto na avenida Brasil". Anos mais tarde, em artigo na revista Ciência e Cultura (n° 35, 1983), contou como a instituição ficou "entregue à tecnocracia dos planos e projetos, às obras, consertos, reformas, remendos e fachadas, nas garras de uma burocracia feroz numericamente espantosa, enquanto, no dizer de seus próprios dirigentes, o descrédito e a desconfiança dos pesquisadores científicos impedia qualquer possibilidade de recuperação". Segundo Lent, a destruição não se limitou ao afastamento dos dez cientistas cassados; outras pessoas também foram deslocadas do instituto, deixando de contribuir para o desenvolvimento da ciência, como Laerte Manhães de Andrade, Jorge Guimarães, Mário Vianna Dias, Charles Esberard, Emílio Mitidieri, Otilia Afonso e Artur Ramos, entre outros.

A partir de então, cada cientista procuraria se amparar de alguma forma para poder sobreviver. Nos dois primeiros anos após a cassação, Lent trabalhou em algumas traduções, numa série de kits científicos que a Editora Abril produziu, e em outras ocupações esporádicas. No final de 1972 recebeu convite para trabalhar na Universidade de Los Andes, em Metida, Venezuela, como professor de pós-graduação. Acompanhado de sua esposa, ali permaneceu até 1974, lecionando parasitologia, orientando jovens professores e constituindo um insectário de hematófagos no laboratório que posteriormente receberia seu nome. Lent ficaria na Venezuela por mais tempo se não aceitasse um oferecimento muito sedutor de seu amigo e ex-aluno, Wygodzinsky, que se encontrava então no Museu Americano de História Natural, em Nova York. Nos Estados Unidos, permaneceria por sete meses, trabalhando no levantamento e identificação de barbeiros de diversas regiões do mundo, emprestados ao museu. Com a ajuda da Fundação Rockefeller, os dois cientistas publicariam, em 1979, uma revisão geral sobre as espécies conhecidas de triatomídeos e algumas novas, que eles descreveram. Segundo Lent, essa monografia representa a realização de seu grande sonho: "No Brasil nunca teríamos condições de juntar esse material, vindo de todo o mundo, mas no Museu Americano pudemos reunir espécies raras, às vezes únicas, provenientes da Europa, China, Índia, e até das Bahamas." O trabalho descreveu 112 espécies diferentes, às quais se somariam mais três, descritas posteriormente por outros pesquisadores.

Embora ainda vigorassem as restrições à sua atuação profissional — os cassados de Manguinhos não podiam trabalhar em nenhuma instituição brasileira que tivesse ajuda do Governo - Lent retornou ao Brasil em 1976, tornando-se professor titular da Universidade Santa Úrsula, que teve o mérito de convidá-lo antes da anistia. Certo dia, enquanto preparava a instalação de seu laboratório, um colega olhou da porta da sala para a arrumação e perguntou o que era aquele movimento todo. Bem humorado, Lent arriscou um comentário que mostrava o ecumenismo da situação: "Trata-se de um judeu armando uma tenda árabe numa universidade católica!"

Todas as manhãs, Herman Lent vai à Universidade Santa Úrsula, onde trabalha desde então como pesquisador e docente nos cursos de biologia e nutrição. Algumas tardes também são dedicadas àquela instituição; em outras, fica em casa estudando algum assunto de seu interesse ou tentando resolver questões que aparecem no dia-a-dia do laboratório. Ele considera a experiência como docente nesses últimos 14 anos muito boa, principalmente porque, à diferença dos cursos anteriormente dados, pôde ter contato com alunos de graduação e em maior número. Muitos são encaminhados por ele a Manguinhos: "Lá, eles podem ter acesso a uma bibliografia melhor, material em maior quantidade e contato com colegas da mesma área, o que é sempre um estímulo". No seu entendimento, a Santa Úrsula ainda não proporciona grandes chances de pesquisa: tem laboratórios pequenos, um número reduzido de auxiliares e o ensino ainda é preponderante. Assim mesmo, conseguiu formar sua atual assistente, também professora da universidade, Claudia Portes Santos.

Já num artigo de 1981, em que discorre sobre as aspirações e o modo de trabalho do cientista, publicado pela Finep/CNPq, Lent alertava que "o ensino, sem a pesquisa, converte-se num repetir enfadonho e sem perspectivas." Nessa publicação, defendia também a necessidade de registrar os dados obtidos pelo pesquisador: "Ao cientista se impõe não só o cultivo de sua ciência, como também a divulgação dos fatos que observou, dos resultados a que chegou, dos conhecimentos que adquiriu e das conclusões que esses fatos lhe impõem."

Essa insistência pela divulgação dos resultados de pesquisa pôde ser percebida ao longo de sua larga experiência em editoração. Herman Lent esteve à frente de diversas publicações, mas a Revista Brasileira de Biologia é a de que mais se orgulha. Inicialmente financiada por um mecenas, Guilherme Guinle, foi fundada em 1941 por Lent e outros colegas e hoje se encontra no volume 50. Em 1970, seus três editores, todos pesquisadores de Manguinhos — Lent, Sebastião José de Oliveira e Tito Cavalcanti — foram cassados e a publicação foi doada à Academia Brasileira de Ciências. Em 1978, comenta, "me indispus com o presidente da academia, Maurício Mattos Peixoto, porque não quis ouvir a opinião de quem tinha uma experiência de editoração de quase 40 anos e resolvi deixar a direção da revista". Em seguida, a publicação entrou numa fase de decadência, da qual só se recuperaria anos mais tarde. A partir de 1959, como chefe da Divisão de Zoologia Médica de Manguinhos, Lent também dirigiu a edição das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz que seria paralisada em 1964 com o advento da "revolução redentora". Em 1970, foi ainda chefe de seção (História Natural) da edição brasileira da enciclopédia Delta Larousse, coordenada por Antônio Houaiss.

A UDF e a Santa Úrsula não foram suas únicas experiências como docente. Deu aulas de parasitologia na antiga Escola de Medicina e Cirurgia do Instituto Hanemaniano, hoje vinculado à UERJ, de helmintologia no curso de aplicação de Manguinhos, onde ele próprio fora aluno, e de biologia no curso secundário do Colégio Pedro II, durante quase 14 anos. Foi professor por cinco meses no Instituto de Higiene de Assunção, Paraguai, como enviado de uma missão do Itamaraty. Como consequência da missão, o Itamaraty financiou a vinda de alguns paraguaios ao Brasil, entre os quais estava uma química e farmacêutica que seria sua futura esposa, Maria Gregória Lent.

Por várias vezes foi chamado para lecionar em cursos esporádicos, como o da Universidade da Bahia, a convite de Otávio Mangabeira; o da Universidade Estadual do Paraná, de especialização para professores; e outros mais breves em Recife e Belém do Pará. Junto aos alunos, fazia coletas eventuais de material de pesquisa, no caso helmintos, e em vários locais orientou a formação de insectários, como o de Manguinhos.

Lent deixaria a helmintologia em 1951, novamente por influência de Arthur Neiva, para se dedicar a uma nova linha de pesquisa, a entomologia. Trabalharia nessa área junto com Hugo de Souza Lopes e, posteriormente, com seu discípulo e amigo, José Jurberg. Este admite que, embora trabalhe com o professor Herman há 30 anos, ainda se sente seu fiel estagiário.

Ameaçado pelo Ministério da Saúde, em 1970, de ser transferido para o Piauí caso continuasse a publicar trabalhos com o recém-cassado Herman Lent, Jurberg se prontificou a continuar trabalhando com seu mestre "em silêncio". Durante algum tempo, acumularam um bom número de trabalhos que seriam publicados após a derrubada do maquiavélico ministro Rocha Lagoa. "Durante anos e anos lutei para que os pesquisadores cassados voltassem a Manguinhos", comenta Jurberg. "Esse dia demorou, mas chegou. O doutor Herman, porém, apesar do apelo dos amigos, foi o único que não quis voltar."

Lent, no entanto, não reconhece mágoa nessa atitude. Sua explicação inclui o peso da idade e o desejo de uma vida mais descansada. "Estava trabalhando integralmente na universidade e temi não poder contribuir com o instituto da forma que deveria", desculpa-se. Pura humildade! Aos 80 anos, apesar de a aposentadoria compulsória ser uma realidade em toda parte, continua exercendo a profissão. "Até que a universidade me mande embora", diz com teimosia.

Na sua opinião, muitas coisas mudaram no Instituto Oswaldo Cruz de hoje, assim como mudou a forma de se fazer pesquisa no Brasil. Embora admitindo o seu olhar à distância — "agora vejo o instituto com olhos de terceiros" — considera o seu tempo mais interessante. "O instituto mudou em perspectivas e em aspectos de trabalho. Ampliou-se tremendamente. Agora é uma fundação que reúne desde institutos de qualidade, como o INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde), até um hospital infantil, como o Instituto Fernandes Figueira", aponta.

"Até 1970, a ênfase era a pesquisa básica, mas os diferentes governos passaram a exigir novas diretrizes. Atualmente, fala-se erradamente que as empresas devem financiar a tecnologia. Mas isso nunca será possível porque as empresas multinacionais importam a tecnologia de suas sedes e não têm interesse em fazer pesquisa no Brasil. É preciso entender que a tecnologia não se cria do nada; ela nasce da ciência", alerta. Segundo ele, uma das coisas de maior relevância que Manguinhos ainda conserva é uma ótima biblioteca especializada, embora maltratada por falta de um edifício próprio.

Outro ponto que destaca diz respeito à sua produção científica: "Na minha época, a nossa atividade não era política, mas tínhamos que tratar também da política da instituição. Antigamente era muito difícil obter fundos para a ciência. Só depois da criação das agências financiadoras tivemos oportunidades de auxílios para projetos. Hoje, apesar de haver um percentual maior do orçamento para a ciência, vejo como ele é cortado, como não se pode contar com ele integralmente. Vejo como se passa de um Ministério da Ciência e Tecnologia para uma Secretaria, que não sei que valor tem junto a uma Presidência autocrática", acrescenta. Lent assegura que ainda existe moda em ciência: "Essa chamada ciência de ponta deveria ser feita aqui no Brasil, mas ela nunca vai ser competitiva com a ciência dos países do Primeiro Mundo por causa das grandes deficiências que ainda cultivamos".

Em 80 anos de vida, Herman Lent nunca sentiu falta de religião. Diz-se eclético na leitura, seu único hobby. Agradam-lhe muito os livros de língua espanhola e comenta a sua última leitura, Pantaleón y Ias visitadoras, de Vargas Llosa: "É uma palhaçada tremenda", diz com jocosidade. Trata-se de uma crítica a militares que organizam um regimento de mulheres da vida para ir ao interior do Peru fornecer elementos de satisfação aos soldados. "Imaginem o que não acontece nesse batalhão de visitadoras", comenta.

O humor, de fato, não falta a Herman Lent. "Nasci em 1911 e em 3 de fevereiro completei 80 anos. Infelizmente!", acrescenta rindo.

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Entrevista concedida a José Jurberg (Fiocruz), Moacyr Vaz de Andrade (Universidade Santa Úrsula) e Alicia Ivanissevich (Ciência Hoje). Texto de Alicia Ivanissevich (Ciência Hoje).