Ecologia e história natural das serpentes do Rio Grande do Sul inovam métodos de estudo dos ofídios no Brasil

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Título para divulgação do texto

Ecologia e história natural das serpentes do Rio Grande do Sul inovam métodos de estudo dos ofídios no Brasil

Título original da pesquisa

História natural, ecologia e conservação de serpentes no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil

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Autores do texto original

Fonte(s) Financiadora(s)

Resumo

O estudo sobre a história natural e ecologia de serpentes na região de dunas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS).

O que é a pesquisa?

A fauna de serpentes da região neotropical é rica, mas informações sobre história natural e ecologia de um grande número de espécies são escassas ou inexistentes. Ainda não se conhece apropriadamente como muitas espécies vivem.

Pesquisas sugerem que este desconhecimento se deve ao modo de vida fugidio e secretivo das serpentes, que dificulta observá-las por períodos prolongados. Mas há procedimentos que contornam estas dificuldades, ou que conduzem à parte das respostas procuradas, sem que estudos de campo de longa duração sejam necessários. Por exemplo, alguns aspectos comportamentais podem ser obtidos por meio de métodos relativamente simples de observação naturalística e manipulação experimental no ambiente, sem acompanhar grande número de indivíduos por períodos prolongados. Aspectos alimentares e reprodutivos podem ser obtidos da análise de material depositado em coleções e até pelo acompanhamento de indivíduos em cativeiro.

O estudo da história natural e ecologia de organismos, entretanto, não se limita a determinados aspectos comportamentais, à alimentação e à reprodução. Apenas estudos de médio e longo prazo, desenvolvidos em áreas naturais, podem responder com credibilidade questões relacionadas ao grau de mobilidade das espécies (deslocamentos), às áreas de vida ("home ranges"), e aos padrões de atividade diária e sazonal que elas apresentam.

Esta pesquisa, realizada entre 1998 e 2005, foi conduzida por especialistas do Museu de Ciências e Tecnologia e da Faculdade de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, e visou ao estudo sobre a história natural e ecologia de serpentes na região de dunas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS). Além dos objetivos usualmente enfocados em estudos desta natureza no Brasil, como alimentação e reprodução, a presente pesquisa enfocou aspectos como deslocamentos, áreas de vida e padrões de atividade sazonal e diária das três espécies mais frequentemente encontradas na área.

1.Xenodon dorbignyi, conhecida como Nariguda, um dipsadídeo que ocorre desde o sul e sudeste do Paraguai até o Uruguai, atingindo o extremo sul do Brasil e a Argentina oriental, comum na área da pesquisa e desaparecendo rapidamente em muitas localidades, por conta do rápido processo de urbanização;

2.Philodryas patagoniensis, conhecida como Papa-pinto, ou Parelheira, um dipsadídeo opistoglifodonte com ampla distribuição geográfica no Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai; e

3.Liophis poecilogyrus, conhecida como Cobra-do-capim, é um dipsadídeo que ocorre nas savanas do sul do Brasil, nordeste da Argentina e Uruguai.

Além das três espécies mais assiduamente encontradas na área, foram colhidos também dados das demais espécies registradas, e analisadas as diferenças observadas nos seus padrões ecológicos, buscando avaliar os fatores responsáveis pela estruturação da comunidade.

Como é feita a pesquisa?

A área de estudos está situada no Distrito Magistério, município de Balneário Pinhal, litoral do RS. Possui 300 hectares e dista aproximadamente 1000 metros do oceano, localizada entre o mar e a Lagoa da Cerquinha. É uma planície de dunas móveis, intercaladas por pequenas depressões úmidas, que se tornam temporariamente alagadas nos períodos de maiores chuvas.

Os métodos de amostragem utilizados foram adequados à obtenção de espécimes vivos e mortos, necessários para contemplar os diferentes objetivos específicos propostos. Para as serpentes vivas, a equipe de coletores realizou viagens quinzenais à área de estudos, utilizando como método principal de amostragem a procura visual. Esse processo consiste de caminhadas ao longo da área, durante as quais os ambientes são explorados visualmente, havendo a inspeção de prováveis abrigos, como tocas, entulhos etc.

As serpentes mortas foram obtidas por meio de campanhas informativas realizadas junto aos professores e alunos de escolas locais, e aos moradores que residem próximos à área de estudos, os quais são orientados a recolher espécimes encontrados mortos. Esse material previamente colecionado, procedente da mesma área e regiões próximas e depositado nas coleções do Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS e da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, foi utilizado nas dissecações necessárias à análise das gônadas e tubo digestivo.

O esforço de captura foi medido em termos de horas totais de atividades de coleta, somando para cada dia, as horas trabalhadas por cada coletor. O índice que compara o número de determinadas espécies em relação às outras foi neste estudo considerado como "frequência relativa de encontro de serpentes", já que se refere às serpentes encontradas, e não tem, necessariamente, relação com a quantidade de cada espécie existente na área.

Serpentes capturadas foram marcadas por tatuagem a quente nas escamas ventrais, pesadas, medidas (comprimento rostro-cloacal, CRC), sexadas e analisadas quanto à presença de conteúdo estomacal e ovos; e em seguida soltas nos respectivos locais de encontro. Fêmeas grávidas foram mantidas em cativeiro até a desova, sendo os ovos incubados em laboratório. Os filhotes nascidos em cativeiro foram marcados individualmente, pesados, medidos, sexados e soltos nos locais de encontro das respectivas mães. No momento de captura de cada serpente foram registradas as características físicas do ambiente (tipo de substrato, vegetação, presença de corpos d’água etc.), a temperatura do substrato, umidade relativa do ar e condições climáticas, sendo os locais de encontro georreferenciados com o uso de sistemas de posicionamento global por satélite (GPS).

Para a análise dos padrões de atividade sazonal e diária, foram consideradas ativas as serpentes surpreendidas em movimento, e também as imóveis, em atividade de termorregulação, e como inativas aquelas encontradas abrigadas, que esboçaram pouca ou nenhuma reação quando descobertas, sem tentativa imediata de fuga, estando provavelmente em repouso prolongado. Serpentes encontradas em situações de difícil avaliação quanto aos critérios adotados foram excluídas da análise.

Para a determinação da condição reprodutiva, sexo e tamanho das serpentes, dados anatômicos foram levados em conta para considerar os machos e fêmeas como indivíduos maduros (e por conseguinte "adultos"). Serpentes vivas tiveram a condição reprodutiva estimada com base no comprimento rostro-cloacal (CRC) de serpentes mortas da mesma espécie, da mesma região e dissecadas.

A sexagem de exemplares vivos foi feita pelo exame externo do lado ventral da base da cauda. Exemplares mortos foram sexados por dissecação e análise das gônadas. O estudo da dieta das espécies foi feito com base em observações no campo (serpentes vivas, área de estudo) e dissecações com análise do tubo digestivo de material colecionado.

Em serpentes vivas, a detecção de conteúdo estomacal foi feita visualmente ou por palpação. Indivíduos com conteúdo estomacal perceptível tiveram o tubo digestivo lubrificado com óleo mineral (mediante introdução de sonda de látex flexível), sendo induzidos a regurgitar, por meio de massageamento ventral no sentido pôstero-anterior. Os restos alimentares regurgitados e os obtidos por dissecações também foram depositados em coleções museológicas, e sua identificação procedida por comparação com material previamente colecionado, e por consultas a especialistas.

O crescimento foi determinado diretamente por sucessivas mensurações de espécimes recapturados, e inferido pela distribuição de classes de comprimento de indivíduos ao longo do ano.

Para estudos de reprodução, as serpentes vivas encontradas na área de estudo e tidas como presumivelmente grávidas (por palpação) foram mantidas em cativeiro até a desova, sendo em seguida liberadas nos respectivos locais de encontro. As desovas foram pesadas, e os ovos medidos, contados e incubados em laboratório. Serpentes mortas (ambos os sexos) foram dissecadas, suas gônadas examinadas e consideradas segundo a maturidade. Para fêmeas, foi medido o comprimento do maior folículo ou ovo e contado o número dessas estruturas quando maiores que 10 milímetros.

Qual a importância da pesquisa?

Desde o início desta pesquisa, subprojetos foram desenvolvidos como dissertações de mestrado e teses de doutorado, e resultaram também em artigos publicados em periódicos especializados.

Durante o período de execução do projeto, foi realizado um esforço de captura de 3228 horas-homem na área de estudo. A partir deste esforço foram capturados, marcados e soltos em seus locais de encontro 1544 indivíduos pertencentes a quinze espécies, 451 dos quais foram recapturados, totalizando 1955 encontros de serpentes. Ocorreram ainda 397 nascimentos em cativeiro que, somados ao número de capturas, totalizam 1941 indivíduos marcados na área de estudo.

Estes números permitiram a obtenção de uma grande quantidade de dados, capazes de gerar resultados consistentes, tanto para o estudo da história natural das espécies de encontro mais frequente, bem como para questões relativas a toda a comunidade.

A pesquisa, baseada fundamentalmente em estudos de campo e planejada para ser desenvolvida a médio e longo prazo, teve como principais impactos a implementação e/ou a reavaliação de conceitos e metodologias usualmente empregados em estudos sobre a história natural e ecologia de serpentes, especialmente os relacionados à:
1.análise de atividade sazonal e diária;
2.análise dos padrões de utilização de habitats e substratos;
3.deslocamentos e,
4.áreas de vida.

Finalmente, cabe destacar que esta pesquisa revestiu-se de importantes aspectos de Educação Ambiental. Antes do seu início, em julho de 1998, não havia informações cientificamente embasadas sobre a composição da comunidade de serpentes da região das dunas de Magistério. A população local ignorava por completo quais espécies eram inofensivas, e por alegada precaução, matava toda e qualquer serpente encontrada.

Ao longo dos últimos três anos e meio, os pesquisadores formaram colaboradores locais, com grande interesse em aprender mais sobre as espécies de serpentes regionais. Essas pessoas passaram a ser visitadas com frequência pelos pesquisadores e foram aprendendo a diferenciar as espécies, e a encarar como verdadeira a existência de serpentes inofensivas.

Atualmente, esses colaboradores sabem identificar qual é a única espécie peçonhenta da região, e conseguem reconhecer com segurança boa parte das doze espécies de serpentes registradas para a área. Passaram de matadores de serpentes a admiradores, e hoje ajudam a difundir o conhecimento acerca das espécies junto à comunidade.

Área do Conhecimento

Ciências Biológicas

Palavras-chave – Entre 3 a 5 palavras

Portuguesa Ecologia
Portuguesa Conservação
Portuguesa Serpentes

ODS

ODS 15: Vida Terrestre
ODS 13: Ação Contra a Mudança Global do Clima

Material Complementar

LEMA, Thales. Os répteis do Rio Grande do Sul: atuais e fósseis - biogeografia – ofidismo. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
MARQUES, Otávio A.V.; ETEROVIC, André; SAZIMA, Ivan. Serpentes da Mata Atlântica. Guia ilustrado para a Serra do Mar. Ribeirão Preto : Editora Holos. 2001. 184p.
BECKER, Fernando Gertum; RAMOS, Ricardo Aranha; MOURA, Luciano de Azevedo. (orgs). Biodiversidade das regiões da Lagoa do Casamento e dos Butiazais de Tapes, Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Brasília : Ministério do Meio Ambiente. 2007. 388p.
NASCIMENTO, Luciana Barreto; OLIVEIRA, Maria Ermelinda (orgs.). Herpetologia do Brasil II. Belo Horizonte : Sociedade Brasileira de Herpetologia. 2007. 354p.
COBRAS BRASILEIRAS (portal). Disponível em: www.cobrasbrasileiras.com.br Acesso em: 14 dez. 2010.
CIÊNCIA E FOTOGRAFIA (portal). Disponível em: www.danielloebmann.com Acesso em: 14 dez. 2010.
HERPETOLOGIA E FOTOGRAFIAS DE NATUREZA (portal). Disponível em: www.sbherpetologia.org.br Acesso em: 14 dez. 2010.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HERPETOLOGIA (portal). Disponível em: www.sbherpetologia.org.br Acesso em: 14 dez. 2010.

Data da publicação do texto de divulgação

December 3, 2003

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